sábado, 24 de setembro de 2011

As lágrimas amargas de Petra Von Kant

Vejam a peça no Dona Maria.Não sou um frequentador assíduo do Teatro, vou mesmo muito raramente,mas fui ver esta peça e gostei,saí com a sensação confortável da harmonia de um trabalho colectivo.Se alguma coisa tenho a dizer a propósito,é que os actores,ou melhor,as actrizes,estão umas para as outras,como o azul para o ouro,há harmonia no desempenho.A encenação não me pareceu ambiciosa,pende para o coloquial,para a facilidade de um público mais abrangente.Por mim ainda bem,que tenho dificuldade em linguagens herméticas.A geringonça que domina o espaço cénico,uma enorme caixa com diversos mecanismos de abre e fecha,estende e encolhe,tem imaginação,mas funcionalmente é um desastre,levando os actores ao limbo da confusão,muito ao género de terem que pensar antes de se moverem.Guarda roupa muito vulgar e a assentar mal no corpo.Já agora ,seria conveniente uma climatização mais correcta da sala.
O trabalho dos actores corrige os defeitos tornando-os desprezíveis.Custódia Gallego,que eu não conhecia,óptima, compõe uma mulher complexa,Petra,numa deriva entre o excesso do ego e o abismo da não existência,
dando conta desta esquizofrenia da condição humana entre a grandeza e a miséria de espírito.Isabel Ruth,de presença muito forte,encarna a mãe,uma mulher mundana,distante e egoísta,numa conseguida representação,contida e introspectiva.Inês Castel-Branco é Karin Timm,e constrói muito bem a personagem, à volta da mulher superficial, afectivamente dividida e indecisa.As restantes três actrizes acompanham cabalmente.
A actualidade da temática da peça mantém-se passados que são 40 anos,ainda que as questões mais presentes que se colocam ao lesbianismo sejam outras.
Mais uma vez dou por mim a pensar na relação da arte com a transcendência,neste caso com a natureza humana, imenso desconhecido inatingível e por isso transcendente.

jcmarques

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Pedra mármore

Numa volta por Pêro Pinheiro,ali para os lados de Sintra,pólo importante da indústria de transformação de mármores e granitos,há um entreposto de pedras junto à estrada para Mafra,onde um mundo de beleza aterrou.Centenas de grandes placas de rochas decorativas estão expostas.Vêm de toda a parte,Brasil,Angola,México,Escandinávia,África,Índia,etc,etc.Olhando-as,imagino enormes pinturas,obras-primas que a natureza e o tempo criaram,expressões de liberdade imensa,compêndios da côr ,da forma,da imaginação ilimitada.Nestas alturas compreendo melhor os artistas,torna-se mais claro entender o processo criativo.É como se a intangibilidade da perfeição das composições naturais, desencadeasse uma inquietação permanente e crescente,um processo de busca sem fim ,uma subordinação dolorosa ao belo e ao único.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

A última aula de Vitorino Nemésio

Há dias fui ao CCB assistir a uma conferência sobre "A última aula de Vitorino Nemésio",dada ,salvo o erro,em 1971.Cheguei atrasado mas,ainda assisti a metade de uma das intervenções,integralmente a outra e à leitura ,por um "diseur",da dita aula.As duas intervenções estiveram a cargo de dois académicos, na mesa mais duas eminências e,está claro,o inefável Mega Ferreira a presidir.Sala à cunha.
Ia ouvindo,ora enfastiado ora mais interessado,e ao mesmo tempo ia deixando que a cabeça se enchesse de impressões do que via e ouvia,tal e qual  uma maré na enchente,com a água a inundar caoticamente  a praia.
Só me lembrava do Nemésio que me entrava em casa há muitos anos via televisão,nas conversas  do "Se bem me lembro".Não o reconheci no que se ia dizendo,não identifiquei a figura que fazia as pessoas apressarem-se ou olhar as horas para não perderem aquela meia hora de conversa, de gestos e esgares,que conciliava o intelectual com o seu povo.Vitorino Nemésio tornara-se popular,identificara-se com o homem/mulher comum,falava de coisas e de maneira que interessava a qualquer pessoa.Agostinho da Silva e José António Saraiva,cada um à sua maneira,também conseguiram a mesma coisa,mais distante,mas ainda assim,Eduardo Lourenço também,só para citar alguns.Estabeleceu-se nestes casos uma simbiose natural,que deverá ser eternamente mantida,relembrada,dinamicamente alimentada.Vitorino Nemésio foi um eminente académico,um intelectual brilhante,mas foi uma figura popular e querida do cidadão comum, precisamente através da expressão do seu universo intelectual.Pode ser homenageado como académico,mas também,e sobretudo,  tem que  ser cultivado como figura popular.Nemésio ainda povoa o imaginário das gerações de meia idade,mas duvido que os mais novos saibam quem ele foi.Não assisti ao documentário que encerrava a sessão,quero acreditar que também tratou do Nemésio popular,porque senão será imperdoável.
Não vejo os homens e as mulheres que vão construindo a memória colectiva deste povo, a serem minimamente lembrados,tratados como o património cultural que foram e  são.Alguns são mesmo apagados,como se não existissem, e em sua substituição proliferam os "Famosos",quais construções artificiais e anedóticas,que vêm do nada e que nada são.
Em Portugal teríamos certamente muito a aprender com os povos que colocam os seus antepassados no presente,extraindo força anímica e lucidez dessa relação.A ausência de um projecto nacional , a falta de mobilização e  astenia popular,enraízam neste esquecimento,nesta falta de consideração a que se votam aqueles que nos constroem.
Ou mudamos ou estamos lixados!Aliás,já estamos...e muito!

jotacmarques









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quinta-feira, 15 de setembro de 2011

O tempo de reflexão

Num momento em que se teme pelo fim do euro e quiçá da Comunidade Europeia,é preciso afastar a cacofonia manipuladora e permanente,e colocar a pergunta fundamental...PORQUÊ E QUEM?Actualmente,com as doses maciças e permanentes de informação/desinformação,em alvoroço histérico e patológico de telejornais gritados  por pivots  excitados ou em capas de jornais próprias de pasquins panfletários ,não há reflexão,não nos é permitida a digestão.O tempo de metabolizar a informação desapareceu,é um frenesim stressante e indutor da superficialidade e da ignorância.Assisto incrédulo a entrevistas, em que o entrevistador cospe perguntas idiotas,tem uma atitude agressiva e não está nada,rigorosamente nada, interessado em ouvir a resposta,cortando e falando por cima.Os debates,com uma ou outra excepção,são lamentáveis,com os intervenientes mais interessados em tempo de antena,em protagonismo,do que em esclarecer seja o que for.

O cidadão comum como eu, só se pode defender desta gigantesca armadilha adoptando a dúvida metódica cartesiana para o que ouve ou lê,como um filtro de purificação,um detector de mentiras ou um tanque de decantação.O objectivo final será sempre o de descobrir o PORQUÊ E QUEM,iludindo toda esta diabólica encenação, que intencionalmente  parece querer-nos ocultar a razão e a autoria  dos desmandos,do mais completo e absoluto desprezo que governantes e parasitas adjacentes manifestam pelos seus concidadãos.

jotacmarques





domingo, 11 de setembro de 2011

Nota introdutória

Ontem fui ao Monumental,fui ver a "Autobiografia de Nicolai  Ceausescu". Fiquei derreado,esgotado,são cerca de 3 horas ,sem intervalo,numa sucessão cronológica de excertos de documentários produzidos pelo regime comunista Romeno.Uma cine-biografia,quase toda a preto e branco,do ditador.Numa realização de grande qualidade,o realizador faz desfilar só  imagens reais,abstendo-se de juízos de valor,remetendo-os inteiramente para o espectador. Talvez o filme mais honesto e decente que vi nos últimos anos.Evidentemente que a megalomania e o esmagador culto da personalidade de Ceausescu  são evidenciados,mas essa foi a realidade pura e dura desses tempos na Roménia.Não fosse o  edifício da Assembleia Nacional o segundo maior do Mundo, a seguir ao Pentágono,não tivesse um quinto de Bucareste antiga sido arrasada para ceder espaço às construções faróonicas do Regime.Nicolai Ceausecu visitou duas vezes a Coreia do Norte,ficando fortemente  impressionado com o ditador Kim Il-Sung e com o seu  modelo de governação assente no culto da personalidade,majestático e imperial,tendo adoptado o estilo.O desfecho da história de Nicolai e de Elena Ceaucescu é trágico,após um julgamento sumário.mais que duvidoso,são executados a 25 de Dezembro de 1989,a única execução de responsáveis comunistas durante e após a derrocada do Bloco de Leste.Suprema ironia para o responsável do comunismo na Europa que mais se destacou da União Soviética,que se manifestou contra a invasão da Checoslováquia pela forças do Pacto de Varsóvia,que fomentou a presença da Roménia em Los Angeles nos Jogos Olímpicos de 1984,que permitiu que o seu país fosse o primeiro do Bloco de Leste a relacionar-se com a Comunidade Europeia.

Fiz este blogue para falar de tudo e de todos,passado e presente,com alguma objectividade e informação,também para me e nos relacionarmos com uma das minhas paixões de vida,de que fiz profissão,as coisas antigas e velhas,sobretudo as ditas antiguidades de sec.XX.,O MODERNISMO dos anos 50,60,70.
São necessárias todas as colaborações...a ver o que dá!


jotacmarques