terça-feira, 28 de agosto de 2012

Depressão

Toda a gente tem um limite para o que pode mental e afectivamente suportar, para além do qual se produzem processos disruptivos  de consequências imprevisíveis. Esse limite, a que chamo de "breaking point", evidentemente que varia de pessoa para pessoa, assim como as causas que determinam a ruptura. A sociedade tende a normalizar comportamentos e reacções, classificando de anormalidade tudo o que não se insere no léxico do "normal" socialmente estabelecido, desprezando a característica individual, diversa  e única do comportamento humano.
Idealmente, cada pessoa devia de conhecer o seu "breaking point" e ser capaz de recorrer à ajuda técnicamente especializada sempre que entrasse em ruptura. Talvez se pudessem evitar tragédias como a que aconteceu muito recentemente em Castro Marim, uma mulher com cerca de 40 anos e em depressão profunda diagnosticada regou com gasolina o quarto em que se encerrou com os dois filhos adolescentes e acendeu o isqueiro.

"À segunda feira é fácil adivinhar os resultados dos jogos de  futebol", reza o povo, e cumprindo-se, um batalhão de psiquiatras e psicólogos, comenta, declara que a depressão é uma patologia grave, que há casos em que os pacientes devem de ser internados, que o suicídio é recorrente em situações de depressão profunda, etc, etc,etc. É normal que assistamos a uma maior visibilidade dos especialistas de serviço quando se verificam situações excepcionais, mas a pergunta que se me coloca é: onde estavam os técnicos que acompanhavam este caso? Mais, que medidas terapêuticas foram tomadas, e quais as razões que explicam que uma mulher neste estado não estivesse internada?

A psiquiatria e a psicologia são hoje ciências fundamentais na saúde dos cidadãos, mas não se lhes deve recorrer  para resolver estados de alma mais ou menos incómodos,  que decorrem de contrariedades e tristezas pelas quais todos passamos. Ouço frequentemente etiquetar de depressão esses estados e fico alarmado com a facilidade com que é feito, porque baralha e minimiza a gravidade dos  estados depressivos reais, originando em última análise que, pela vulgarização, situações como a de Castro Marim não sejam  avaliadas na sua verdadeira dimensão. 

A crescente psiquiatrização  da vida nas sociedades desenvolvidas corresponde a novas situações da saúde mental  das populações e a novos padrões de bem estar,  mas tem necessáriamente de evitar que o que era tratado por amigos e familiares e até pelos padres  passe para a sua área. O trigo e o joio estão muito misturados, isto é, começa a não haver uma diferenciação clara do que são as verdadeiras doenças psiquiátricas e o seu tratamento por especialistas, e os estados de alma incómodos que são por regra transitórios e que os mais próximos e o próprio são capazes de resolver. 

Nos Estados Unidos parece que toda agente tem o seu psiquiatra ou psicólogo, muitas vezes numa relação terapêutica que dura grande parte da vida, não gosto que isso esteja a acontecer no meu país. Toda gente teve e tem problemas, passou por situações traumatizantes, mas o ser humano encerra uma enorme capacidade de reacção para os ultrapassar, deve de usá-la em vez de se apoiar em "bengalas que só contribuem para lhe anular a natural força reactiva, sem prejuízo das situações patológicas que, insisto, devem de ser diagnosticadas e tratadas por técnicos especializados.

Dos cerca de 30% da população portuguesa que lidou ou lida com problemas de depressão, de acordo com notícia publicada, certamente que haverá muitos que estão a ocupar indevidamente psiquiatras, psicólogos e outros técnicos de saúde mental, assoberbando-os com casos, contribuindo para esgotar os recursos humanos e materiais, e, porventura, dificultando-lhes a avaliação integral e objectiva dos casos  patológicos.

Não sei o que se passou sob o ponto de vista psiquiátrico em Castro Marim, mas ainda não vi nenhum dos intervenientes chegar-se à frente e esclarecer a desgraça!
Prestariam um serviço enorme à população verdadeiramente atingida pelo flagelo da depressão! 

jotacmarques  

    


sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Se eu fosse mosca...

Se eu fosse mosca gostaria de voar pelo palácio de S. Bento em dias de conselho de ministros. Voaria rápida e irritante, pousando em ministros e secretários de estado, atraída provávelmente pelo cheiro das palavras, ou quem sabe, pelo suor excretado dos pensamentos e das propostas que povoam essas grandes cabeças que nos governam.

Cansada, aterraria em qualquer sítio onde pudesse ouvir com clareza o que viria, a coberto de mãos e jornais que incansáveis procuravam excluir-me do mundo dos vivos. Há muito que a curiosidade me espicaçava para assistir a uma destas sessões, certa que estava de aqui se passavam coisas importantes. 

O conselho ia começar, estando presentes à volta de duas dezenas de figurões. O 1º ministro aclarou a voz , mavioso e cordial deu as boas vindas e esclareceu a ordem de trabalhos, tratava-se de preparar a agenda da próxima avaliação da "troika". O das finanças arengou sobre os excelentes resultados alcançados, é certo que o desemprego tinha aumentado mais do que se estimara, que as receitas dos impostos recuaram por via da quebra do consumo interno, que a comparação homóloga dos índices económicos também acusava  recuos e que o  investimento era cada vez mais baixo. Acrescentou no entanto, que as exportações apesar das oscilações lá se iam aguentando, e grandes notícias, as taxas de juro para empréstimos a Portugal nos mercados financeiros internacionais tinham descido ligeiramente. Estávamos no bom caminho portanto, em breve, se fossemos cumpridores e não nos afastássemos uma linha do compromisso com a "troika", viria o paraíso para esta terra abençoada.

O ministro da economia seguiu-se, que não podia correr melhor, o acordo com os patrões e o cagalhésimo da representação dos trabalhadores produzira a desejada desvalorização do trabalho, mais, à parte mais uns milhares no desemprego, inevitável e marginal, já se vê, assistia-se a uma limpeza por via das falências das empresas pequenas e obsoletas, que mais não faziam que poluir o universo da actividade empresarial dos grandes grupos. Uma enorme benfeitoria o que se estava a passar, finalizou.

A agricultura, através dos secretários de estado, o ministro estava de férias no estrangeiro, exultou com o excelente trabalho produzido, que entretanto era só promessas, mas que qualquer dia, não se sabia exactamente quando, se concretizariam. A boa notícia era que as importações de bens alimentares tinha descido, com a perda de poder de compra  as pessoas tinham comido menos. Era óptimo para a redução do "déficit" da balança comercial e para o "fitting".

O ministério dos negócios estrangeiros também proclamou grandes êxitos na política da pedincha de chapéu na mão  levada a cabo na Ásia e noutras zonas do globo. Também neste caso o ministro não estava, andava há meses em viagens pelo estrangeiro, ninguém o via coitado, o que ele trabalhava, sempre de copo na mão naquelas recepções frívolas e chatas, um calvário.

Reincidiu o das finanças, estava eufórico com as recentes notícias emitidas pela Bloomberg , Portugal era um grande exemplo a seguir pelos países resgatados, disciplinado e leonino o governa tinha excedido as expectativa  no que respeita a medidas austeras, assim é que era, em breve, com algumas reservas, com este comportamento, estaríamos em  condições para voltar aos mercados financeiros. Mais, a economia voltaria ao crescimento, anémico infelizmente, todavia  um grande feito. Geralmente, tudo o que bate com força no fundo volta para cima,  o ponto de partida para o almejado crescimento estava ao nível de há 30 ou 40 anos atrás, o recuo tinha sido enorme, cogitava eu com os meus botões.
Também me parecia tal qual como diz o ditado, "quando a esmola é grande, o pobre desconfia", que esta coisa de voltar aos mercados financeiros era uma manobra para nos emprestarem mais dinheiro e ganharem com os juros exorbitantes

Eu, feito mosca, estava perplexo. Então tudo piorava e esta gente continuava convencida da inevitabilidade do cada vez pior, para no futuro ficarmos bem? Alto, isto não é normal, ou eles não conheciam o país ou deliravam. Teimosos como os burros, continuavam a pressionar a tecla da austeridade apesar do panorama se degradar.

Escapei-me antes da reunião acabar, é que aquele ambiente não era bom para a cabeça. Fugi, porque receei que a insanidade mental fosse contagiosa, eu sei lá , ouve-se tanta coisa a propósito de doenças. Foi melhor assim, deixá-los lá sózinhos naqueles jogos florais de nós e os nossos umbigos, porque eu que ando por muito lado, por onde andam as pessoas nos seus quotidianos,  só oiço queixas, que isto está uma desgraça, que  cada vez tá pior. Não entendia o que se passa com aquela gente, é um mundo irreal, parecia que estavam a falar "pró boneco", a gente ajaezada com tantos sacrifícios, nunca chegam, cada vez mais, a ver que os putos fazem os cursos e piram-se para o estrangeiro, porque cá de empregos népia, os velhos com pensões miseráveis e tudo aumentar, enfim um rosário de coisas más de que vocês também são vítimas, e aqueles gajos a acharem que tudo vai bem.Porra!.............Porra!..............

Cá fora fiquei para os ver sair!

Ele era sorrisos, cumprimentos e abraços, satisfeitos consigo mesmos pelo desempenho do dever cumprido. Amanhã  tinham óptimas notícias para a "troika", claro que eles iam exigir mais medidas austeras, mas isso era o menos, o povo estava resignado e submisso. Entravam para os carrões pretos com motorista, topos de gama de dezenas de milhares de euros, compenetrados e graves, como se fossem donos do mundo.

Disse para mim que para assistir a estas coisas não queria ser mais mosca, talvez melga ou abelha , sempre podia ferroá-los, que é o que eles merecem.

Talvez, pensando melhor, não seja má ideia ser uma ave de rapina como eles, só que agora era para cravar-lhes as garras nos lombos, voar até ao Atlântico e já fora das águas territoriais, deixá-los cair, em terra óbviamente, numa ilha, não os queria afogar, apenas livrar-me deles para sempre.

Porque não num paraíso fiscal, talvez nas ilhas Caimão?.......

jotacmarques

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Leituras

 De leitor assíduo desde a infância, actualmente vai para muitos meses que não pego num livro, ou se o faço, ao fim de  poucas páginas  desisto. Foi sempre assim, alternando longos períodos de leitura compulsiva com interrupções mais ou menos curtas, mas agora a interrupção é longa e começa a ser preocupante.

Com certeza que devo ter lido centenas, senão algum milhar de livros, em português obviamente, mas também em inglês e francês. Foram leituras pouco organizadas, dou-me hoje conta, aleatórias, tanto li a obra completa de alguns autores, como da de outros, porventura muito mais importantes, apenas li um livro. Esta deriva também aconteceu com os vários tipos de literatura, romance, novela, ensaio, li o que me apeteceu sem a preocupação de uma metodologia coesa e coerente. O resultado é um "melting pot"  rico e variado, sem dúvida, mas também muito disperso e com enormes lacunas. É o caso da poesia, que pouco ou nada conheço, e de que sinto uma enorme carência. Exceptuando os poetas referenciais na cultura portuguesa, um ou outro na inglesa e na francesa, o panorama é de uma ignorância confrangedora.

Hoje, pensando em voz alta, apercebo-me da falta que me fez e faz a poesia na construção do "eu". Talvez eu fosse um ser humano diferente, melhor, se a poesia tivesse feito parte da minha vida, se fosse uma presença constante na interpretação do mundo e dos outros.

Sempre preferi o romance a todas as outras expressões literárias, densos e profundos, quanto maiores melhor. Joseph Conrad, personifica a escrita que me interessa, cada palavra, cada frase, cada linha encerra ideias profundas, constitui uma visão fortemente intelectualizada do universo de interdependências do Homem com o seu semelhante e com o  meio. Conrad é um escritor conciso e objectivo, quantas vezes seco e "enxuto", que trata fundamentalmente da questão da natureza humana.

Quando questiono a importância das leituras na minha vida, arrependo-me de não ter sido mais organizado e sistemático, e equaciono a influência que tiveram em mim. Li muita coisa desprezível, completamente inútil, outras inócuas, mas estou convencido da enorme importância que a literatura teve e  tem na minha existência. O escritores contribuíram decisivamente para moldar a minha atitude perante a vida, ajudaram-me sempre a suportar o pior e a apreciar o melhor, nos seus escritos encontro "outros mundos" que me curam e assossegam , aprendi que o mal e o bem absoluto não existe, que existimos para além dos umbigos.

A dialéctica presente entre o livro e o leitor é talvez a relação mais profunda que um ser humano estabelece entre o universo dos inconscientes, do seu e do escritor, suscita muitas vezes o que nem sequer  supúnhamos existir ou escondemos, sem a possibilidade de censura  e de repressão.
Essa relação configura o estado de liberdade total e de comunhão total com o semelhante, a sua vivência  é insubstituível e nuclear na vida de qualquer ser humano.

jotacmarques