Três dias para os 40 anos do 25 de Abril ! Tomo consciência de que há mais quatro décadas em cima dos 24 anos que tinha, naquele dia cinzento e meio chuvoso, quando me decidi a " arriscar o pêlo " por aquilo em que acreditava e militava havia anos.
Não gosto de falar de mim e também não cultivo o protagonismo heroíco que, nesta data , vai sendo hábito atribuir a algumas personalidades que tiveram um papel mais evidente nos acontecimentos. Evidentemente que não esqueço Salgueiro Maia , Otelo Saraiva de Carvalho e outros, que nas operações militares assumiram responsabilidades importantes, mas não posso esquecer os anónimos que, nos carros de combate, no cerco ao Carmo, no assalto à Televisão e ao Rádio Clube Português, na tomada das instalações da Pide, e em tantos outros teatros operacionais , estiveram lá, asrricaram a liberdade e a vida, tornando possível o êxito do golpe militar.
Ao povo que saiu à rua, quando ainda nada estava decidido, que acompanhou e incentivou os militares em inúmeros locais e ocasiões, também a esses reconheço a importância que se atribui aos protagonistas militares.
O 25 de Abril e o subsequente processo revolucionário, foi uma obra colectiva, de capitães, sargentos e soldados, e de milhares de cidadãos anónimos, que tomaram partido e agiram para transformarem a realidade política, económica e social existente, numa outra substancialmente diferente. O êxito deve-se muito mais à acção colectiva desencadeada, do que a heroísmo individuais, que certa e esporádicamente também existiram.
Vem esta conversa a propósito do marasmo e alheamento em que a sociedade portuguesa está, num tempo em que a extrema direita governante desencadeou um plano de aniquilamento e extermínio do que se construi após Abril de 74. Refiro-me concretamente ao desmantelamento do Estado Social e à implementação de um modelo económico de mão de obra barata e de elevadas taxas de desemprego para controle do preço baixo do trabalho. À minimalização do Estado e das suas funções e prestações sociais, corresponde uma devolução ao sector privado de vastas áreas da vida económica nacional, antes de carácter social e agora de carácter negocial, onde o objectivo fundamental é o lucro. Os cortes orçamentais, principalmente, nos salários e nas pensões do sector público, na saúde, na educação, e nas prestações sociais, visam a redução do deficit do Estado, objectivo que parece justificado por si mesmo, se não tivermos em consideração a natureza da população portuguesa no que se refere à pobreza e aos escalões etários em que se divide. De facto, não se pode aceitar esta política, quando somos um país de velhos a necessitar cada vez mais de assistência na saúde , enquanto que temos cerca de 2 milhões de pessoas no limiar da pobreza e cerca de 1 milhão de desempregados, carentes da ajuda do Estado.
Eis um breve e incompleto quadro do que já somos, mas que ainda não chega, já que parece que agora chegou a vez dos trabalhadores do sector privado, pagos acima do que deviam na opinião do FMI.
Tudo tem sido possível, mesmo o inimaginável há pouco tempo atrás, e mais será, dado que a sociedade portuguesa não tem mostrado capacidade de reacção, de resistir activamente à avalanche de atentados aos seus direitos e nível de vida. Continuando assim, quando o plano estiver concluído, teremos o país reduzido a uma plataforma de investimento do grande capital internacional, a beneficiar de uma mão de obra barata e dócil e com um Estado pouco intrusivo na área privada, depois de alienar o mais possível as suas áreas de intervenção económica, demitindo-se das responsabilidades que são a razão da sua existência, para favorecer desavergonhadamente negócios privados lucrativos.
O que quero dizer a quem me lê, é que há outras maneiras de construirmos o presente e o futuro, e que a questão central que se nos coloca neste momento, é a da resistência aos autores e à política da destruição do nosso modo de vida.
Mais uma vez agindo colectivamente sobre a realidade para a transformar!
Jotacmarques
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