quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Esboços I

O despertar do telemóvel tocou um som feito de técnicas virtuais. Sete horas da manhã, o  fim de uma noite mal dormida , plena de copos e fumo em companhia de amigos. Olhou-se ao espelho, decidiu fazer a barba de 5 ou 6 dias, mudar de aspecto, uma coisa mais convencional . No duche desenhou bichos no vapor condensado no vidro da cabine, desde miúdo que o fazia, sempre gostou de animais, talvez por isso tenha ido para veterinária. O resultado tinha sido a licenciatura e a companhia da Marléne, uma cadela " bull terrier" que o seguia para toda a parte.Vestiu-se confortávelmente, que o dia ia ser longo e díficil. A mala já a tinha arrumado no dia anterior, umas quantas peças de roupa, poucos objectos de uso pessoal e o inseparável portátil.

Os pais já estavam no pequeno almoço, na rotina que sempre conhecera desde que tomara consciência das coisas da vida. Mãe enfermeira e pai bancário, a infância e a adolescência decorrera mansa e materialmente mais ou menos confortável. Tinha duas irmãs mais novas, pouco mais, os pais tinham planeado a descêndencia sem grande intervalo. Estavam as duas na faculdade, economia e comunicação, na privada, não tinham conseguido, como ele, lugar na pública. Um esforço financeiro considerável a suportar, acrescido por ele ainda viver lá em casa. Contenção e escolha de prioridades nos gastos eram uma constante.

Já tinha duas experiências laborais pós mestrado, um estágio sem remuneração numa clínica e um
" part-time" num "call center" a convencer desconhecidos, a quem não poucas vezes  trocava o nome na pressa e impreparação, da excelência de um qualquer tratamento ou produto inovodor. Oitenta horas de trabalho mensal, vinte por semana, a ganhar 200 euros, menos de 3 euros por hora. Na pouca formação recebidade tinham-lhe dito que a insistência era a chave do convencimento, a raiar a agressividade se necessário, entrar pelo telefone na casa do putativo cliente, sem cerimónias, com perguntas invasivas e em catadupa. Cansou-se da má criação, foi despedido ao fim de 2 meses porque não era suficientemente eficaz e não alcançava os objectivos.

Enviou dezenas de currículos, respondeu a anúncios, numa procura aleatória e vã. Nada, sem resultados!

Abraçou a mãe e as irmãs, agarrou na mala e saiu. Na rua o pai esperava no carro. A viagem foi curta, um desfilar de locais e bulícios familiares.

Abraçou o pai. 

Quando se sentou no avião, sabia que não tivera alternativa, abateu-se numa tristeza melancólica.

O avião descolou rumo a uma ex-colónia... onde um lugar de veterinário o esperava...

jotacmarques