domingo, 6 de outubro de 2013

Hannah Arendt em filme

O  filme  trata da visão política de Hannah Arendt sobre Eichmann, durante o seu julgamento e posterior execução em Israel no principio da década de sessenta. Dois anos antes, Eichmann tinha sido raptado pela Mossad na Argentina, para onde fugira e vivera sob falsa identidade desde o fim da 2ª guerra. Eichmann pertenceu às SS com o posto de tenente-coronel e chefiou o departamento encarregado dos transportes de deportação dos judeus para os campos de extermínio. Obsessivamente meticuloso e trabalhador,  organiza o transporte dos judeus com um alto nível de eficácia, de trágicas e terríveis consequências. Foi uma peça fundamental na chamada "solução  final judaica", engendrada por Heydrich, o seu chefe e mentor.

Arendt era judia alemã. Presa pela Gestapo em 1933, consegue fugir para Paris  e mais tarde para os Estados Unidos da América, onde vive  até 1975, data da sua morte. Filósofa e escritora, desenvolve o conceito da" banalidade do mal" no seu livro "Eichmann em Jerusalém", escrito a partir das crónicas jornalísticas feitas durante o julgamento. O convívio com o horror, com o sofrimento ,com a tortura, enfim, com todas as formas de infligir o mal, acaba por banalizar essas acções , tornando-as aceitáveis e vulgares, passíveis de serem assimiladas na "normalidade" quotidiana dos seus autores. Sendo assim, qualquer pessoa  pode protagonizar a maldade, podendo os actos mais hediondos e destrutivos da história da humanidade, como é o caso do Holocausto, ter por autores pessoas que não se destacam socialmente dos seus semelhantes. Hannah reconheceu a mediania na pessoa de Eichmann, um burocrata obsessivo, " alguém terrível e horrívelmente normal", um cumpridor zeloso das ordens que recebia, pouco capaz de discernir entre o bem e o mal. Eichmann não era um demónio nem um poço de maldade, era apenas um homem comum,  concluiu.

O filme acompanha o desenvolvimento histórico do julgamento, das teorias de Hannah Arendt, do conflito com os leaders da comunidade judaica, que não aceitam a tese da mediocridade de Eichmann e que o consideram um monstro demoníaco e maléfico. A filósofa sofreu críticas muito severas e viu afastarem-se amigos íntimos devido às teorias que defendia. A  relação afectiva e intelectual com o filósofo e mestre Martin Heidegger, seu professor e amante, cuja influência foi determinante no pensamento de Hannah, também se analisa no filme. Heidegger,  um dos mais importantes pensadores alemães do sec.XX, inscreveu-se no partido nacional-socialista  no inicio dos anos 30.  Mais tarde, Hannah Arendt vai contribuir activamente para a  reabilitação do filósofo , o que mais uma vez lhe traz conflitos com a poderosa comunidade judaica americana.

As teses da "banalidade do mal" concluem pela necessidade permanente da defesa da liberdade e da democracia, já que  "os assassinos estão entre nós" como disse Simon Wiesenthal, o grande "caçador" de nazis, que descobriu Eichmann na Argentina.

O pensamento de Arendt a este respeito é extremamente lúcido e importante, e admiro a sua coragem e honestidade moral e intelectual na defesa das suas crenças, no entanto, julgo que não terá compreendido ou valorizado, o contexto e a importância histórica do julgamento de Eichmann.  Israel pretendia levar a cabo uma grande acção de "exorcismo" das questões do Holocausto, uma compensação, na medida do possível,  aos sobreviventes dos campos de concentração e aos milhões de mortos às mãos dos nazis. A captura, e o julgamento no recente Estado de Israel, de um  importante criminoso de guerra, com um papel tão decisivo no extermínio dos judeus, constituía uma oportunidade única de afirmação de um povo  massacrado ao limite, mas ainda assim capaz de sobreviver enquanto nação e de ressurgir num  país independente e justo

A desvalorização da ideia do  "monstro demoníaco nazi" encarnada em Adolf Eichmann, e a acusação de que  decisões colaboracionistas de alguns dirigentes da comunidade judaica durante o Holocausto tinham contribuído para agravar o horror , não parecem oportunas naquele momento particular. Por outro lado, Arendt, incentiva à escalada da polémica e à debandada de ex-amigos e correlegionários ,com a sua atitude de arrogância pessoal e intelectual,  de não ceder nas suas teses, apesar do contexto político e social.
Concordando absolutamente com as  ideias sobre a "banalidade do mal", de saber justos  os reparos ás atitudes de colaboração de dirigentes judeus com os nazis, e de admirar a sua coragem, não me parece que Hannah tenha sabido agir estratégicamente na defesa de "um bem maior", que era ,sem dúvida, naquele momento, colaborar com os dirigentes do seu povo na acusação e na condenação exemplar  de Adolf Eichmann

jcmarques

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Esboços I

O despertar do telemóvel tocou um som feito de técnicas virtuais. Sete horas da manhã, o  fim de uma noite mal dormida , plena de copos e fumo em companhia de amigos. Olhou-se ao espelho, decidiu fazer a barba de 5 ou 6 dias, mudar de aspecto, uma coisa mais convencional . No duche desenhou bichos no vapor condensado no vidro da cabine, desde miúdo que o fazia, sempre gostou de animais, talvez por isso tenha ido para veterinária. O resultado tinha sido a licenciatura e a companhia da Marléne, uma cadela " bull terrier" que o seguia para toda a parte.Vestiu-se confortávelmente, que o dia ia ser longo e díficil. A mala já a tinha arrumado no dia anterior, umas quantas peças de roupa, poucos objectos de uso pessoal e o inseparável portátil.

Os pais já estavam no pequeno almoço, na rotina que sempre conhecera desde que tomara consciência das coisas da vida. Mãe enfermeira e pai bancário, a infância e a adolescência decorrera mansa e materialmente mais ou menos confortável. Tinha duas irmãs mais novas, pouco mais, os pais tinham planeado a descêndencia sem grande intervalo. Estavam as duas na faculdade, economia e comunicação, na privada, não tinham conseguido, como ele, lugar na pública. Um esforço financeiro considerável a suportar, acrescido por ele ainda viver lá em casa. Contenção e escolha de prioridades nos gastos eram uma constante.

Já tinha duas experiências laborais pós mestrado, um estágio sem remuneração numa clínica e um
" part-time" num "call center" a convencer desconhecidos, a quem não poucas vezes  trocava o nome na pressa e impreparação, da excelência de um qualquer tratamento ou produto inovodor. Oitenta horas de trabalho mensal, vinte por semana, a ganhar 200 euros, menos de 3 euros por hora. Na pouca formação recebidade tinham-lhe dito que a insistência era a chave do convencimento, a raiar a agressividade se necessário, entrar pelo telefone na casa do putativo cliente, sem cerimónias, com perguntas invasivas e em catadupa. Cansou-se da má criação, foi despedido ao fim de 2 meses porque não era suficientemente eficaz e não alcançava os objectivos.

Enviou dezenas de currículos, respondeu a anúncios, numa procura aleatória e vã. Nada, sem resultados!

Abraçou a mãe e as irmãs, agarrou na mala e saiu. Na rua o pai esperava no carro. A viagem foi curta, um desfilar de locais e bulícios familiares.

Abraçou o pai. 

Quando se sentou no avião, sabia que não tivera alternativa, abateu-se numa tristeza melancólica.

O avião descolou rumo a uma ex-colónia... onde um lugar de veterinário o esperava...

jotacmarques

terça-feira, 23 de abril de 2013

O tremendo Medina Carreira

No programa "Prós e contras" da última 2ª feira dia 22 na RTP 1, subordinado ao tema " saídas para a crise em Portugal", um dos convidados foi Medina Carreira , que tem uma rubrica semanal na TVI onde em colaboração com Judite de Sousa , convidam personalidades e  analisam a vida económica e política do país. Medina Carreira, que já foi Ministro das Finanças como independente  num governo do PS e é um especialista em finanças públicas, tem o mérito de ter avisado desde há anos para a catástrofe que poderia desencadear-se devido ao crescimento acelerado da dívida soberana. Infelizmente teve razão.

Não está em causa a justeza dos diagnósticos analíticos de Medina Carreira, que se  caracterizam pela simplicidade e pela acessibilidade, e que são, via de regra, muito bem fundamentados na estatística e na ponderação dinâmica dos mais importantes indicadores económicos, com conclusões lógicas, rigorosas e imparciais..

O  que é chocante é o estilo retórico do homem e, já agora, o contexto intelectual ultrapassado com que olha a sociedade onde se insere. O tremendismo e o catastrofismo são a tónica, para Medina Carreira está tudo mal, ninguém é competente, só querem é "tachos" e votos para  ter poder e arranjar negociatas e  lugares para os familiares e amigos. Quanto a soluções para esta desgraça, acha que não há hipótese, não há saídas, o Estado está todo contaminado, os políticos é só conversa de chacha, a malta nova não tem a menor ideia das dificuldades, o país é o que é, e ele já não tem idade para se iludir e acreditar nesta cambada, velhos e novos, de tretas e incapazes. A propósito da remodelação que se pretende fazer nos vários colégios militares, ele que foi educado nos Pupilos do Exército, com rigor e disciplina, acha que o que leva à remodelação é a "paisanagem", de paisanos, isto é, segundo sentenciou, a malta civil tem má vontade e não gosta dos gajos que estudam nos colégios militares, e assim sendo há que acabar com este tipo de escolas. Assim, sem mais!

Quanto às questões da dívida do Estado, Medina Carreira, acha que  qualquer dona de casa era capaz de resolver o assunto, tal é a simplicidade do mesmo. Não havendo dinheiro não se pode gastar, elementar caro Watson! Simples e eficaz, até uma dona de casa, gente básica e pouco esperta, consegue resolver, tal é a simplicidade!

Com este discurso sem esperança Medina Carreira é perigoso e nefasto! Lá em casa, quem o vê, os mais velhos, aterrorizados com situação do país, perplexos com as más notícias despejadas aos magotes diáriamente pelas televisões, acenam que sim com a cabeça, venerando o senhor doutor tão sapiente e de provecta idade, e têm saudades do passado. Os mais novos perante a tremendice e o catastrofismo sem esperança debitados contínuamente, olham como única solução pirarem-se do país.

Talvez Medina Carreira não tenha consciência disto, não se ouça e enxergue neste registo, mas devia ter e moderar-se, e se não o consegue, o melhor é estar calado...até porque, se já não tem idade para acreditar nas pessoas enquanto protagonistas da mudança, certamente que tem idade para ter juízo!

jotacmarques

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Jornalismo e democracia

Biblioteca de Oeiras 5ª feira à noite, Diana Andringa falou de jornalismo e democracia, da correlação entre a política e os orgãos de comunicação, dos jornalistas e da verdade, da necessidade ou não de existirem jornalistas, da internet e da sua capacidade de gerar o "cidadão jornalista", e de muitas outras questões relacionadas com a comunicação social.

A referência à verdade e à objectividade na construção da notícia e do artigo de opinião foi constante, verdade que não pode dissociar-se dos olhos e da mente do protagonista-jornalista, mas que  deve e tem que corresponder o mais possível ao que efectivamente se passou ou é, independentemente das emoções e dos juízos de valor do relator.

Das muitas causas que determinam a corrupção frequente da verdade, Diana Andringa destacou a pouca ou a ausência de reflexão sobre os factos , o que na sua opinião leva à notícia precipitada, à superficialidade e à deturpação inconsciente ou não do assunto.

É cada vez mais evidente o esvaziamento das notícias "versus" a quantidade processada e a ditadura das audiências e/ou a urgência de as dar a conhecer primeiro e sobre o momento. Em larga medida, a confirmação da autenticidade e da credibilidade das informações é duvidosa, para já não falar da sua reflexão crítica e objectiva.

Se de alguma forma assistimos ao sacríficio da qualidade da informação a favor da quantidade , o mesmo será dizer que o cidadão comum tem hoje mais informação, mas de pior qualidade.
Haverá quem defenda que é melhor para democacia que o cidadão saiba mais ainda que saiba mal, no entanto, a avaliar pela degradação das sociedades democráticas contemporâneas, a sofrerem significativos recuos civilizacionais, não tem sido a enorme quantidade informativa a impedir e a evitar o que está acontecer.

Em Portugal, a televisão, salvo poucas excepções, dedica-se empenhadamente a estupidificar as pessoas, através da proliferação de telenovelas e de reality-shows a ocuparem horários nobres, e a empobrecer a qualidade da informação com telejornais de hora e meia ou mais, com notícias irrelevantes que seguem ao segundo os "shares" de audiência. A ditadura das audiências conduz ao sensacionalismo barato e básico, pouco verdadeiro e objectivo, fornecido alegremente a uma população que se sabe pouco instruída e culta, contribuindo criminosamente para que as pessoas se eternizem no atoleiro da mediocridade cultural.

É claro que, e de acordo com Diana Andringa, este panorama tem que mudar, pela afirmação da qualidade...nem que se tenha que usar o interruptor da televisão para desligarmos a emissão e sabotar as cotas de audiência!
jotacmarques

quarta-feira, 10 de abril de 2013

O terror

Já antes escrevi sobre o medo como arma letal de dominação, usada pelos governantes que governaram ou governam contra os seus povos. Creio que me referi a Estaline, que usou largamente a "política do terror" na colectivização dos meios de produção industriais e da terra, neste último caso contra a vontade de milhares de pequenos proprietários rurais que não queriam ser expropriados. Estaline levou a cabo através do terror purgas radicais contra os seus opositores políticos, dentro e fora do partido, e  ordenou gigantescos e mortíferos "progroms" com base no medo incutido às pessoas. Neste e noutros regimes e países (nazismo, fascismo e recentemente no Ruanda, no Sudão, na Sérvia e na Bósnia, só para referir alguns) o medo foi utilizado como arma política, para que "cliques" de poder fizessem o que entendessem, sem olharem às criminosas  consequências que viessem a abater-se sobre os seus concidadãos.

A institucionalização do "terror" como política "oficial" dos regimes em que o cidadão integra inconscientemente o "medo", isto é, não protesta no emprego contra iniquidades porque tem medo de perder o lugar, não se revolta porque tem medo de sair da sua "zona de conforto", não investe porque tem medo do dia de amanhã, corresponde a um estado de espírito permanente e sociabilizado em que o indíviduo deixa  de ser e de se exercer livremente.

Presentemente é o que está a acontecer no nosso país e de um geral na Europa. O governo português utiliza constantemente o medo para implementar as políticas ultra-liberais, os portugueses são permanentemente aterrorizados com a banca rota, a saída do euro, enfim, são coagidos a aceitar a inevitabilidade das medidas de austeridade que o governo impõe, sob pena de lhes acontecer uma catástrofe ainda pior.

O medo faz parte do nosso dia a dia, como de resto se colou à pele dos países da União Europeia, que de união já nada tem,  subsistindo apenas o "medo" como cimento agregador. O projecto europeu e os seus príncipios inspiradores estão mortos, a UE só não se desagrega oficialmente porque desconhece as consequências reais desse acto.

O cidadão comum quando julga que talvez ainda possa salvar umas pequenas migalhas do que anteriormente tinha, principalmente no que se refere ao seu nível de vida e ao "Estado Social", apostando na remodelação ou na reconversão das políticas deste governo ou na alternativa do Partido Socialista, está profundamente enganado. 

A questão não reside na alternância de governos ou de partidos, pelo menos destes partidos, reside na natureza do "sistema político, económico e social". Ou será que é indiferente que o "sistema " permita que o presidente da EDP tenha recebido 3 milhões e tal de euros como remuneração em 2012 e entretanto não se queira aumentar o salário mínimo para 500 euros?

É claro que não é indiferente! É escabroso ,é indecentemente imoral e sem ponta de ética!

Ou nos batemos por uma nova organização política, económica e social, com moral e com ética, ou só nos resta este pântano em que estivemos, estamos e continuaremos atolados!

jotacmarques






sábado, 23 de março de 2013

Anormal

O confisco sobre os depósitos bancários no Chipre coloca a velha questão da competência e da sanidade mental das pessoas que estão encarregadas, em nosso nome, de tomar decisões sobre assuntos que nos afectam a todos.

Não  interessa aqui analisar as perigosas consequências do que se pretendeu/e fazer no Chipre, interessa  perceber a coerência e a lógica da decisões, em que condições foram tomadas  e tentar   avaliar a saúde mental dos protagonistas deste episódio.

Muito se tem escrito sobre o estado de saúde mental de personagens decisivos no passado histórico dos povos, sobre Estaline e Hitler foi dito que tinham personalidades paranóicas, a propósito de Roosevelt sabemos que estava profundamente doente quando esteve em Ialta onde se decidiu a partilha  da Europa e dos seus satélites em blocos políticos de influência, Salazar isolou-se do mundo político do seu tempo num quadro de misantropia, e muitos mais exemplos existem , uns mais graves outros menos, mas que levam a crer que distúrbios de personalidade e situações clínicas patológicas interferiram negativa e decisivamente na capacidade física e mental de governantes importantes e portanto na natureza das suas decisões.

Sabendo-se que a crise da zona euro é fundamentalmente uma crise de confiança, com o sistema bancário no centro do furacão, os governos e o BCE inventaram o inimaginável para sacarem aos povos e entregarem aos bancos, numa corrida desenfreada para os salvarem da banca rôta. Diga-se de passagem, porque nunca é demais dizê-lo, que a situação dos bancos é única e exclusivamente da sua responsabilidade, com origem na especulação ganânciosa do capitalismo financeiro selvagem.

Entre as muitas medidas tomada pela autoridades financeiras da Europa, porque era absolutamente vital com a crise do euro e dos bancos fixar os depósitos de aforro, a garantia de que os Estados se responsabilizavam pelos depósitos bancários até 100.000 euros sossegou os pequenos depositantes, que continuaram a canalizar as suas poupanças para o sistema bancário. O volume de depósitos nos bancos portugueses, em dada altura até aumentou significativamente após o anúncio da medida referida. Outra medida importante foi a entrada decidida e activa do BCE no mercados obrigacionistas primário e secundário, com bons resultados na descida das taxas de juro das dívidas dos países europeus em dificuldades.

Acreditou-se a partir daí que o euro já não estava em risco, que o pior já tinha passado.

Agrava-se então o problema do Chipre, há muito tempo a balões de oxigénio , num quadro de irresponsabilidade colosssal dos dirigentes cipriotas e europeus que deixaram degradar a situação durante meses sem tomarem as atitudes resolutivas que se impunham.

Os ministros das finanças europeus em reunião fora de horas, num "brainstorming" esgotante, stressados pela eminência de uma resolução, entre saídas e entradas na sala, conversas de corredor e mijas, tomam as brilhantes decisões que se conhecem . 

O imposto sobre os depósitos bancários, mesmo para os abaixo de 100.000 euros, foi fatal para a confiança no sistema financeiro. No dia seguinte o caos nos bancos cipriotas, nas bolsas europeias e nos mercados da dívida estava instalado. Apesar do recuo feito à pressa e atabalhoadamente a instabilidade persiste.

Digam-me lá se não é de desconfiar da sanidade mental de quem se compromete com garantias que depois sabota, sem pensar na consequências e deitando a ética para o caixote?

Serão "normais" as pessoas que nos arrasam com impostos para salvarem o sistema financeiro e a moeda, e que em dado momento, em  condições deploráveis, tomam medidas precipitadas de que se arrependem no dia seguinte, e que voltam a pôr  em causa o que dizem querer salvaguardar?

Acho que não!  Estamos a ser conduzidos para o abismo por pessoas que não andam com a cabeça em condições, e que, para o seu e o nosso bem,  devem vonluntáriamente ou  obrigadas  desaparecer dos centros de decisão.

jotacmarques

 




sexta-feira, 15 de março de 2013

Incapacidades

Hoje, ao ouvir o ministro das finanças a propósito da 7ª avaliação da "troika",  assisti ao maior exercício de incapacidade de um governante como jamais assisti anteriormente desde o 25 de Abril. Gaspar já não é o patusco engraçado e exótico dos primeiros tempos, deixou de ser o cromo com quem se condescendia, Gaspar é o rosto de um governo esgotado e completamente desorientado, incapaz de resolver os problemas do país. Rodeado por secretários de estado cinzentos e deprimidos, expôs durante longos e penosos minutos o quadro catastrófico em que o país se encontra e permananecerá nos próximos anos. Usou dum "economês" gongórico para desfilar números e percentagens, "ratios" e curvas, baralhou e voltou a dar três valores do déficit de 2012, corrigiu em baixa  previsões anteriores, tem mais um ano mas não se trata de mais tempo, tudo para confusamente nos dar conta do que todos já sabíamos , a situação económica é uma castátrofe e vai piorar. 

 As soluções são mais do mesmo, agora até  2015  pelo menos, e de certeza durante muitos mais anos se fossem reeleitos. Gaspar, em nenhum momento, mesmo no período de perguntas e resposta pôs em causa o modelo e o desempenho do governo, antes pelo contrário, gabou o estrito cumprimento do acordo, mitificou o regresso aos mercados como sendo obra do governo e transferiu as causas dos insucessos para a conjuntura recessiva internacional.

No período das respostas aos jornalistas, Gaspar esquivou-se ao compromisso com as futuras medidas de austeridade, e os secretários também, ficando nós  a saber que eles não fazem a mínima ideia de nada, que vão estudar e depois dizem.

Neste miserável cenário, ninguém teve a honestidade de reconhecer que o famoso modelo de recuperação económoca e orçamental é uma aberração irrealista cujos brilhantes resultados já tínhamos visto na Grécia, ninguém foi capaz de reconhecer que não acertam  uma única previsão e uma única meta a que se tivessem proposto, e finalmente, ninguém foi capaz de assumir que, assim sendo, são um bando de incompetentes, um bando de inconscientes que deram cabo da vida a milhões de pessoas e que têm que ser corridos, já que por "motu" próprio não vão sair.

É neste contexto de incapazes, que nos confrontamos com outras  incapacidades nacionais, a saber, o presidente da república, incapaz de produzir o que quer que seja para resolver o imbróglio, a assembleia da república, dominada pela maioria  que sustenta o governo incapaz e onde proliferam as incapacidades da oposição de se constituir em alternativa, os tribunais em geral com um tribunal contitucional incapaz de produzir em tempo razoável um juízo sobre as iniquidades do orçamento para 2013,  e porque não, a nossa própria incapacidade, enquanto povo,  que deixámos que uma "nomenklatura" de alguns milhares nos tenha conduzido até aqui.

Não é descabido considerar que o quadro intitucional da democracia representativa portuguesa não está neste momento capaz de gerar uma solução séria e eficaz para os nossos problemas e que consequentemente, possam aparecer receitas perigosas, quer do tipo populista  do comediante italiano, quer do tipo das erupções de violência inconsequente já vistas na Grécia.

Umas e outras não acrescentam nada á resolução dos problemas, poluindo e agravando o cenário já existente.  Os povos têm sido, históricamente, sempre capazes de encontrar alternativa  ao que não está bem. Nós temos exemplos anteriores em  que gerámos dinâmicas colectivas e pessoais capazes de  organizar novas realidades políticas, sociais e económicas. Não muito longe, o 25 de Abril foi um desses momentos, lá mais para trás no sec.XIV, a crise de 1383-85 foi outro, e outros mais se encontrariam. Não há razão nenhuma para que não sejamos capazes de o voltar a fazer....talvez estejamos demasiado aparvalhados e desorientados com o que nos aconteceu !

jotacmarques






sexta-feira, 1 de março de 2013

Imperdoável

 Há quase quarenta anos que vou a manifestações. Não é uma actividade que me dê especial prazer. Não me entusiasmam particularmente multidões, apertos, palavras de ordem, cartazes, bandeiras, etc. 

Acontece porém, que só o povo na rua é eficaz na demonstração do apoio ou não às políticas dos governos. Os governos, geralmente , reputam-se de legítimos durante os quatros que duram as legislaturas, e sem dúvida que é assim, mas a legitimidade requerida advem do cumprimento estrito e escrupuloso dos programas eleitorais, acabando quando se pisa o risco e se quebra a regra de ouro da observância rigorosa das promessas eleitorais.

Neste caso, muito frequente nos dias de hoje, o pacto entre os eleitores e os os eleitos quebra-se e a legitimidade democrática deixa de existir. Por mais que deputados e ministros berrem que só no final do mandato é que devem de ser avaliados em novas eleições, eles e nós sabemos que se trata de uma mistificação, duma treta grosseira para se manterem no poleiro, quando o povo  protesta na rua  às centenas de milhar contra as políticas implementadas.

O nosso modo de vida está a ser completamente desmantelado, está em curso uma revolução palaciana ultraliberal, que no ambiente confortável dos gabinetes dos ministérios é programada e posta em prática diáriamente e que tem por objectivo substituir o  "Estado social" , construído nos últimos quarenta anos, por um modelo minimalista e entregar aos interesses privados sectores estratégicos da economia nacional. 

O recuo civilizacional  é evidente, cortes sociais, salariais, privatizações a favor de oligopólios poderosos, nos transportes, na saúde, nos seguros, etc, impostos insuportáveis , corrupção a cada esquina, oligarquias de poder instaladas, económicas e políticas, passaram a integrar o quotidiano do cidadão comum. A complacência do governo,  a participação activa na catátrofe e a traição ao programa eleitoral,  já lhe retiraram há muito a legitimidade democrática. Os governantes não podem sair à rua sem serem vaiados e insultados, greves e manifestações quase diárias, artigos em jornais, entrevistas, blogues, facebook e outras plataformas, dão conta do descontentamento geral e da oposição a este governo.  

De forma que, mais uma vez, amanhã, lá estarei no Marquês de Pombal às 16h, para protestar. É claro que tinha coisas mais agradáveis para fazer, o dia até deve de estar bom, e tu também és capaz de pensar assim, mas será imperdoável se cederes a tentatações e não fores ao Marquês, saibas ou não de política, memo que te interrogues se vale a pena. É que a escolha reside entre seres livre ou viveres como os chineses, e como diz o povo, o que tem que ser tem muita força.

jotacmarques



 

domingo, 17 de fevereiro de 2013

O " não "

Do muito que se tem escrito sobre o perfil psicológico e social dos portugueses enquanto povo, só consigo reconhecer uma única característica que nos pode definir, a incapacidade de dizermos NÃO. De facto, basta reflectirmos sobre a prática quotidiana  para descobrir quantas vezes inventámos pequenas mentiras piedosas para  descartar um convite sem dizer "não", quantas vezes tecemos imbróglios para evitar um "não", justificando-os com o imperativo de não melindrar o outro.

Do que se trata na realidade é de evitar a confrontação, e no limite, a ruptura.O português detesta confrontos, odeia decepcionar, não gosta de romper, é naturalmente conciliador e fatalmente conservador. A paz podre povoa  as relações  e o ódio de estimação que se esconde atrás de subserviências estão por toda a parte.

Aqui chegados, convêm dizer que quando se proclama que este povo é óptimo por rejeitar a confrontação, que é um povo  pacífico e respeitador, o que se pretende é dar continuidade à apatia e  à falta de reacção, para se continuar a fazer o que se quer. Quer dizer, a insuficiência comportamental do português no que respeita à indignação e ao confronto, é creditada pela pelo Governo, que fica com o terreno livre para continuar a implementar a política da catástrofre sem grandes incómodos.

Casos como o de António Costa, que se acagaçou com  Seguro, que contemporizou para evitar o confronto, a troco de nada, ou melhor, que se deixou enganar, propositadamente, para perpetuar o principio da partidocracia, em que a ética e a moral se ajeitam de acordo com os interesses dos "lobbies" e das carreiras pessoais, ou o caso do Secretário de Estado que sabendo das aldrabices no BPN se calou durante meses, são elucidativos desta falta de coragem.

Mais genéricamente, estou convencido de que a falta de reacção da sociedade portuguesa radica na incapacidade generalizada de dizer "não". A questão é que, quando nos confrontamos, quando dizemos não ao que nos atormenta e provocamos a ruptura, o que se segue é mais claro, clarifica-se e objectiva-se melhor a realidade.

Cá por mim, acho que é mais que tempo de dizermos NÃO, sob pena de não restar nada!

jotacmarques 

 


terça-feira, 22 de janeiro de 2013

A normalidade da mentira

A anormalidade tende cada vez mais a ser normalizada neste país devastado, explicando melhor, comportamentos considerados éticamente incorrectos mas repetidos muitas vezes sem que daí advenham consequências de maior, por via dessa repetição impune, passam a ser socialmente aceitáveis e portanto normais.

Tomemos o exemplo recente do pedido de mais tempo para pagármos a dívida. O governo que repetidamente afirmou que nunca pediria nem mais tempo nem mais dinheiro aos credores, veio agora na reunião do eurogrupo pedir mais tempo numa viragem de 180 graus, isto é, fez exactamente o contrário do que sempre afirmou, mentindo descaradamente aos portugueses ao longo da legislatura. De resto, também as promessas eleitorais foram em grande medida desrespeitadas, acontecendo que inúmeras pessoas que votaram no PSD e no CDS se sintam enganadas. 

Estranhamente a sociedade não reage ou concede pouca atenção à mentira e ao logro sistemático praticados pelos políticos, integrando pacificamente a prática, que passou por via do consentimento acrítico a fazer parte do universo do normal. Os próprios políticos justificam a mentira, os desvios, a ocultação, a manha, a esperteza saloia, com o postulado de, como já variadíssimas vezes vi e ouvi, " faz parte da política " ou "é a política", numa atitude de menorização dos atropelos à moral e à ética.

Decorre portanto que , toda a construção  governativa e de um modo geral o edíficio político/partidário nacional, com algumas excepções evidentemente, assenta num modelo pouco ético e moral, contando com a complacência e a resignação da generalidade dos cidadãos. Estamos perante um  relativismo acrítico e imoral que ratifica a ilegalidade da mentira e do logro, e que é em grande medida gerador da corrupção impune que atravessa a sociedade portuguesa.

A origem da crise económica, social e política está, em última análise, radicada neste tipo de comportamentos, não se vendo fim à vista, antes pelo contrário, já que constituídos em  prática corrente influenciam, decisivamente pelo exemplo as gerações mais novas.

Pessoalmente sou um resistente, procuro o mais possível não ser contaminado pela doença, mas   cada vez mais tenho dificuldade em confiar e acreditar nas instituições, cada vez mais  o vazio da desconfiança me atormenta, e não gosto, não gosto mesmo nada de assistir à degradação de valores que eu julgava intocáveis e intemporais.

jotacmarques