domingo, 6 de outubro de 2013

Hannah Arendt em filme

O  filme  trata da visão política de Hannah Arendt sobre Eichmann, durante o seu julgamento e posterior execução em Israel no principio da década de sessenta. Dois anos antes, Eichmann tinha sido raptado pela Mossad na Argentina, para onde fugira e vivera sob falsa identidade desde o fim da 2ª guerra. Eichmann pertenceu às SS com o posto de tenente-coronel e chefiou o departamento encarregado dos transportes de deportação dos judeus para os campos de extermínio. Obsessivamente meticuloso e trabalhador,  organiza o transporte dos judeus com um alto nível de eficácia, de trágicas e terríveis consequências. Foi uma peça fundamental na chamada "solução  final judaica", engendrada por Heydrich, o seu chefe e mentor.

Arendt era judia alemã. Presa pela Gestapo em 1933, consegue fugir para Paris  e mais tarde para os Estados Unidos da América, onde vive  até 1975, data da sua morte. Filósofa e escritora, desenvolve o conceito da" banalidade do mal" no seu livro "Eichmann em Jerusalém", escrito a partir das crónicas jornalísticas feitas durante o julgamento. O convívio com o horror, com o sofrimento ,com a tortura, enfim, com todas as formas de infligir o mal, acaba por banalizar essas acções , tornando-as aceitáveis e vulgares, passíveis de serem assimiladas na "normalidade" quotidiana dos seus autores. Sendo assim, qualquer pessoa  pode protagonizar a maldade, podendo os actos mais hediondos e destrutivos da história da humanidade, como é o caso do Holocausto, ter por autores pessoas que não se destacam socialmente dos seus semelhantes. Hannah reconheceu a mediania na pessoa de Eichmann, um burocrata obsessivo, " alguém terrível e horrívelmente normal", um cumpridor zeloso das ordens que recebia, pouco capaz de discernir entre o bem e o mal. Eichmann não era um demónio nem um poço de maldade, era apenas um homem comum,  concluiu.

O filme acompanha o desenvolvimento histórico do julgamento, das teorias de Hannah Arendt, do conflito com os leaders da comunidade judaica, que não aceitam a tese da mediocridade de Eichmann e que o consideram um monstro demoníaco e maléfico. A filósofa sofreu críticas muito severas e viu afastarem-se amigos íntimos devido às teorias que defendia. A  relação afectiva e intelectual com o filósofo e mestre Martin Heidegger, seu professor e amante, cuja influência foi determinante no pensamento de Hannah, também se analisa no filme. Heidegger,  um dos mais importantes pensadores alemães do sec.XX, inscreveu-se no partido nacional-socialista  no inicio dos anos 30.  Mais tarde, Hannah Arendt vai contribuir activamente para a  reabilitação do filósofo , o que mais uma vez lhe traz conflitos com a poderosa comunidade judaica americana.

As teses da "banalidade do mal" concluem pela necessidade permanente da defesa da liberdade e da democracia, já que  "os assassinos estão entre nós" como disse Simon Wiesenthal, o grande "caçador" de nazis, que descobriu Eichmann na Argentina.

O pensamento de Arendt a este respeito é extremamente lúcido e importante, e admiro a sua coragem e honestidade moral e intelectual na defesa das suas crenças, no entanto, julgo que não terá compreendido ou valorizado, o contexto e a importância histórica do julgamento de Eichmann.  Israel pretendia levar a cabo uma grande acção de "exorcismo" das questões do Holocausto, uma compensação, na medida do possível,  aos sobreviventes dos campos de concentração e aos milhões de mortos às mãos dos nazis. A captura, e o julgamento no recente Estado de Israel, de um  importante criminoso de guerra, com um papel tão decisivo no extermínio dos judeus, constituía uma oportunidade única de afirmação de um povo  massacrado ao limite, mas ainda assim capaz de sobreviver enquanto nação e de ressurgir num  país independente e justo

A desvalorização da ideia do  "monstro demoníaco nazi" encarnada em Adolf Eichmann, e a acusação de que  decisões colaboracionistas de alguns dirigentes da comunidade judaica durante o Holocausto tinham contribuído para agravar o horror , não parecem oportunas naquele momento particular. Por outro lado, Arendt, incentiva à escalada da polémica e à debandada de ex-amigos e correlegionários ,com a sua atitude de arrogância pessoal e intelectual,  de não ceder nas suas teses, apesar do contexto político e social.
Concordando absolutamente com as  ideias sobre a "banalidade do mal", de saber justos  os reparos ás atitudes de colaboração de dirigentes judeus com os nazis, e de admirar a sua coragem, não me parece que Hannah tenha sabido agir estratégicamente na defesa de "um bem maior", que era ,sem dúvida, naquele momento, colaborar com os dirigentes do seu povo na acusação e na condenação exemplar  de Adolf Eichmann

jcmarques