sexta-feira, 27 de julho de 2012

O futuro tatuado

A tatuagem está na moda,  cada vez mais  se exibem  corpos tatuados. Novos, velhos, assim assim, nos braços , nas pernas, no tronco, nas costas, flores, bichos, caras, símbolos tribais, frases, nomes, a preto, a cores, é um ver se te avias de incisões subcutâneas, operadas por profissionais com negócios prósperos, alguns deles de indiscutível elevada qualidade técnica e estética.

Por este andar creio bem que o futuro é tatuado, a não ser que a moda mude e a mania acabe. Não  simpatizo  com a teoria maniqueísta , de que os tatuados são uns "chungas", gente de pouca categoria, e os outros não, mas decididamente não simpatizo com corpos tatuados.

A tatuagem funcionou desde sempre e continua a funcionar, em algumas culturas, como um código de identificação, da tribo, do grupo social, da iniciação, do estado social, da classe, etc. É um "chip" gravado na pele que reconhece um estado ou uma qualidade ao seu portador. Num passado recente,  as pessoas tatuados eram mal vistas socialmente, eram consideradas marginais ou de classe social baixa, geralmente vítimas de exclusão e rejeição.

A "normalização" da tatuagem impôs-se e tem como substrato teórico corrente a ideia de permanência. Conversando com pessoas tatuadas, quase todas referem a permanência como causa para se tatuarem. Evidentemente que para além desta justificação transversal, para cada pessoa há uma variada panóplia de outros argumentos  individuais.

Sempre defendi e continuo a defender o direito à diferença e reconheço a cada um o direito de fazer o que quer com o seu corpo. Reservo no entanto o direito de não gostar e criticar seja o que for, mesmo que não seja politicamente correcto fazê-lo, e nem por isso aceito o apodo de ultrapassado ou de não compreender os tempos modernos.

Chegados aqui, dou conta da minha perplexidade ao assistir a que novos e velhos se permitam seviciar  o corpo, com práticas arcaicas e perfeitamente supérfulas nas sociedades ocidentais desenvolvidas. É uma sevícia, porque inflige dor e desconforto quando é feita e porque podem resultar  complicações patológicas graves, como é o caso de inflamações e infecções. É supérfula, porque actualmente existem miríades  de outros processos de identificação codicial  que não implicam nem dor, nem complicações decorrentes e sobretudo, são reversíveis. Não se compreende a ideia de permanência associada às tatuagens, quando é sabido que nada no Mundo e na vida é permanente, que é legítimo mudar-se de opinião e que a irreversibilidade não importa do quê,  é no mínimo altamente condicionante de qualquer acção, e como tal atenta contra a liberdade individual.

Se querem tatuar-se, força façam-no, mas será que daqui a 30 anos ou menos, o corpo, com o desgaste natural e transformado, aguenta da mesma maneira uma tatuagem feita anteriormente?...Duvido que a aparência sejam tão cintilante!... 

jotacmarques 

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Anarquia do caos

A preocupação com o futuro é grande, as pessoas interrogam-se sobre o que aí vem e reina uma incapacidade de previsão angustiante. A falta de esperança é o sentimento mais comum, o receio do caos o grande papão. Cá por mim  não ando nada preocupado com a hipotética chegada do caos, porque ele é certo.

O caos foi sempre a base de partida para uma nova organização, é assim na natureza e no processo histórico do desenvolvimento social. A anarquia subjacente ao estado caótico contém a força dinâmica da construção. Ao caos segue-se a ordem, uma nova ordem.

Neste postulado reside a renovação e/ou a inovação e é neste principio que se encontra a verdadeira revolução criativa. O estado anárquico, não no sentido político, pode metafóricamente comparar-se a uma nuvem de poeira com milhões de  partículas em suspensão, que pairam desorganizadas,  para em seguida assentarem de forma aleatória,  constituindo um novo todo organizado. Como se existisse na natureza uma força anarquizante construtivista. 

Parece-me que o mesmo se passa, passou e passará num processo contínuo sem fim, na história social da humanidade. A política, a economia e a sociologia, não são mais do que meros instrumentos casuais deste desenvolvimento, sendo mutáveis conforme as circunstâncias.

Neste contexto,  é  completamente inútil e injustificado o receio do caos que pode vir, porquanto ele sempre foi e é uma inevitabilidade da criação e da sustentação da própria vida.


jotacmarques    


quinta-feira, 19 de julho de 2012

Mandela e a dignidade

Não me lembro de assistir em tempos anteriores  a que as pessoas pusessem tão em causa a sua dignidade por insignificâncias. Actualmente observo com frequência  situações e actos indignos que anteriormente eram raros e excepcionais. Quase todos se relacionam com a posse ou a pretensão a  bens materiais. A crescente tendência predominante de se considerar alguém pelo que possui em vez do que é, de se valorizar o ter em vez do ser, está na origem da perda constante e exponencial da dignidade humana. Na  política ter poder e influência é o mais importante, o objectivo superior para quase todos, resultando situações deploráveis como a de Miguel Relvas. A ganância pelo poder e pelo dinheiro comandam actualmente as acções de uma elite que contagiou a sociedade em geral . Há  uma perda muito grave dos valores éticos e morais,  operada  através do relativismo e do individualismo, geradores duma certa anarquia social de valores que em última análise redunda no salve-se quem puder que eu já me safei. A prazo, a sociedade encontrará novos códigos de comportamento, não sei se melhores ou piores, mas o processo histórico é revelador desse processo. A dinâmica do processo histórico social estabelece ciclicamente novas ordens de valores éticos e morais, não há a mínima dúvida, mas a questão reside mais nos iatos anarquizantes do que no resultados.  No presente, vive-se precisamente um desses momentos de instabilidade dos códigos anteriores e a incerteza do que virá, situação muito favorável para os oportunismos e oportunistas duvidosos.

Nestas alturas de desgoverno a busca por personalidades providenciais, salvadores, é históricamente uma constante, mas na generalidade os resultados têm sido  catastróficos. Há no entanto pessoas exemplares, moral e éticamente superiores, que têm servido e servem como símbolos de identidade e de identificação. Foi assim com Gandhi e com a generalidade dos notáveis religiosos e é assim com Nelson Mandela.

Mandiba, como é carinhosamente tratado Mandela, nome do clan donde descende, ou Tata , como também é conhecido e significa pai, é um ser de excepcional craveira ética e moral, sobreviveu a 27 anos de cárcere na África do Sul por uma causa justa, a reconstrução de um país com direitos iguais para toda a gente independentemente da côr e das origens. Nelson Mandela é também uma referência na defesa da paz entre povos e nações.

A Natureza encarregou-se de o manter vivo e com uma provecta idade, ele tomou a cargo a tarefa de fazer da sua existência um exemplo de dignidade. 

Mandela é o elemento de identificação por excelência de uma vida digna, no considerando de que a dignidade é o valor ético mais  importante e fundamental. O seu percurso de vida fez-se na afirmação do ser e não do ter, é uma inspiração nuclear do código de valores que deve e tem forçosamente de presidir à organização social, sob pena de perecermos enquanto seres gregários se rejeitarmos este corolário.

Homenagem à dignidade de Mandela!

jotacmarques
   

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Coitados dos bancos

Numa altura em que se fala de mais medidas de austeridade por causa do déficit público, nomeadamente estender o corte do subsídio de Natal ao sector privado, convém  mais um olhar sobre a banca e a sua recapitalização.

Está na ordem do dia para alguns comentadores e "opinion makers" independentes ou a soldo,  a vitimização dos bancos. O argumento é o de que os fundos de recapitalização emprestados pelo Estado vão pagar um juro muito elevado, julgo que 8,5% ao ano. O dinheiro reservado para o financiamento à banca tem origem no empréstimo feito ao Estado Português, 78 mil milhões de euros, pelo FMI, a EU e o BCE. O juro a pagar por este financiamento é de cerca de 4%, talvez um pouco menos, donde resulta que os bancos poderão vir a pagar o dobro do valor inicial do juro, se recorrerem aos 12 mil milhões de euros postos à sua disposição. Até à data foram utilizados cerca de 7 mil milhões de euros deste fundo para a recapitalização. Uma perfeita agiotagem levada a cabo pelo Estado sobre a banca, que ganha 100% no negócio e asfixia o sector financeiro, afirmam alguns.

A questão que se coloca é a de se saber onde andou e anda o dinheiro dos depósitos que os bancos administram, e porque é que a banca está descapitalizada. Durante dezenas de anos a banca e os empresários da construção civil amarraram os portugueses aos empréstimos para a compra de casa própria. Várias gerações sem alternativa, o mercado de arrendamento era mais que incipiente, contraíram empréstimos para a vida. Foi um maná para a banca, com clientela certa e spreads altos, que ganhou milhares de milhões, para os construtores que encaixaram outros milhares de milhões e, já agora, para o Estado que recebeu regular e sistemáticamente os impostos e emolumentos destes negócios.

Põe-se portanto a pergunta de onde é que andam as somas astronómicas dos depósitos e das mais valias geradas com os empréstimos para a habitação. Dizem -nos que a banca portuguesa não comprou activos tóxicos, que resistiu bem à crise dos mercados financeiros, que não há problema, que podemos confiar. Só que ainda não consegui entender porque é que as acções do Millenium se têm desvalorizado tanto, a ponto de serem precisas seis para pagar uma bica. Igualmente com o BPI  e o Espírito Santo no que toca à desvalorização das acções. É estranho que tudo corra tão bem e que os bancos valham cada vez menos. Também não entendo, o problema é certamente meu , como é que está tudo tão bem e os bancos andam há mais de um ano a ser financiados pelo BCE,  porque no mercado financeiro internacional não há quem lhes empreste dinheiro. Por fim temos esta questão do Estado português que foi  intervencionado, actualmente somos um protectorado e não uma nação independente, para obter dinheiro que devia ser aplicado na recuperação da economia, e emprestou mais de 15% do valor total do empréstimo aos bancos, para estes continuarem a não financiar a economia. Querem o dinheiro para quê?

Ponho-me a cogitar se não será para tapar grandes buracos, perdas enormes em negócios especulativos, para pagar remunerações e prémios escandalosos aos gestores e mordomias inacessíveis ao comum cidadão.

Cá por mim só vejo solução com a nacionalização integral da banca. Nem mais, resolvia-se o problema do Banco de Portugal, que já foi enganado várias vezes, fora as que não sabemos, canalizava-se o dinheiro para o investimento na economia , era possível controlar as remunerações escabrosas, praticavam-se spreads decentes, enfim, punha-se a banca ao serviço de quem deve estar, as pessoas.

Claro que os accionistas, que é quem deve capitalizar os bancos privados e não o faz significativamente, iam gemer. Mas há que escolher quem geme, tomar partido, ou eles, uma escassa minoria de poderosos, ou nós, o povo, que já andamos a gemer há muitos, mas mesmo muitos anos.

jotacmarques


      

domingo, 8 de julho de 2012

A privatização do Pavilhão Atlântico

O Estado português vai privatizar o Pavilhão Atlântico . Há três candidatos à compra,  dois  empresários portugueses e  um importante grupo  norte americano de promoção de espectáculos.

O governo pretende realizar activos líquidos através deste negócio, é a tese oficial,  mas é evidente que  há um claro e forte objectivo ideológico de inspiração neoliberal para lá do negócio. O neoliberalismo nega aos estados a ingerência na economia, salvo no que diz respeito a um modesto papel na regulação, que como se viu em  2007, com o "crash" nos Estados Unidos,  falhou escandalosamente,  e  cá não evitou as aldrabices e a falência do BPN e do BPP. A teoria defende que os mecanismos da livre concorrência e da livre iniciativa privada são os únicos capazes de fazer funcionar eficazmente o sistema económico global,   produzindo os equilíbrios  e a ética dos mercados,  que levam ao crescimento e ao enriquecimento das nações. Defendem o Estado minimalista, no pressuposto de que sectores e empresas públicas grandes sugam o dinheiro dos contribuintes, geram e acumulam déficits públicos e são nocivos ao sector empresarial privado, na medida em que detêm   áreas de negócio em condições de concorrência desleal e enfraquecem a capacidade de  empreendedorismo dos cidadãos. As teses neoliberais demonizam assim o investimento e a gestão empresarial do sector público.

O desmantelamento do Serviço Nacional de Saúde, a venda da REN e da REFER, a total privatização da EDP,  a eminente privatização da TAP e de outras empresas públicas, inserem-se no plano de transferência para o sector empresarial privado das áreas estratégicos da economia nacional e da sua exploração,  baseada na maximização do lucro a ser distribuído pelos accionistas. Trata-se portanto de substituir  o modelo do Estado  garante das actividades económicas estratégicas de um país,  por outro em que o universo dos interesses empresariais privados ocupam esse espectro. Eliminam-se  custos sociais subvencionados pelo Estado ao cidadão, numa óptica de  redistribuição mais justa operada pelo Estado, e assume-se que a redistribuição justa pertence quase inteiramente à iniciativa privada, que a realizará através dos mecanismos que controla, os salários e os preços de bens e serviços. 

A experiência nega que assim seja! A "bondade" da teoria não existe, basta debruçarmo-nos sobre o caso da EDP. A EDP funciona  em oligopólio com outras poucas empresas prestadoras do mesmo serviço, gerando uma imperfeita concorrência do mercado, quer através da cartelização dos preços da energia, quer através da participação no capital social das outras empresas do sector condicionando as suas estratégias. O resultado é o consumidor ficar sem alternativa de preços e serviços, dependendo quase exclusivamente da EDP para o fornecimento da energia. A supressão para breve do regime de preços regulados na energia agravará certamente este panorama.

Transportando este exemplo para outras áreas estratégicas a situação é idêntica. No caso dos transportes ferroviários e aéreos nacionais, que funcionam em regime de monopólio, é pior, o preço dos serviços depende exclusivamente de uma empresa.

A supressão do princípio da redistribuição social da riqueza via custos subvencionados pelo estado e a eliminação galopantes de outros benefícios sociais é a liquidação do Estado Social, e consequentemente um recuo civilizacional.

jotacmarques