De leitor assíduo desde a infância, actualmente vai para muitos meses que não pego num livro, ou se o faço, ao fim de poucas páginas desisto. Foi sempre assim, alternando longos períodos de leitura compulsiva com interrupções mais ou menos curtas, mas agora a interrupção é longa e começa a ser preocupante.
Com certeza que devo ter lido centenas, senão algum milhar de livros, em português obviamente, mas também em inglês e francês. Foram leituras pouco organizadas, dou-me hoje conta, aleatórias, tanto li a obra completa de alguns autores, como da de outros, porventura muito mais importantes, apenas li um livro. Esta deriva também aconteceu com os vários tipos de literatura, romance, novela, ensaio, li o que me apeteceu sem a preocupação de uma metodologia coesa e coerente. O resultado é um "melting pot" rico e variado, sem dúvida, mas também muito disperso e com enormes lacunas. É o caso da poesia, que pouco ou nada conheço, e de que sinto uma enorme carência. Exceptuando os poetas referenciais na cultura portuguesa, um ou outro na inglesa e na francesa, o panorama é de uma ignorância confrangedora.
Hoje, pensando em voz alta, apercebo-me da falta que me fez e faz a poesia na construção do "eu". Talvez eu fosse um ser humano diferente, melhor, se a poesia tivesse feito parte da minha vida, se fosse uma presença constante na interpretação do mundo e dos outros.
Sempre preferi o romance a todas as outras expressões literárias, densos e profundos, quanto maiores melhor. Joseph Conrad, personifica a escrita que me interessa, cada palavra, cada frase, cada linha encerra ideias profundas, constitui uma visão fortemente intelectualizada do universo de interdependências do Homem com o seu semelhante e com o meio. Conrad é um escritor conciso e objectivo, quantas vezes seco e "enxuto", que trata fundamentalmente da questão da natureza humana.
Quando questiono a importância das leituras na minha vida, arrependo-me de não ter sido mais organizado e sistemático, e equaciono a influência que tiveram em mim. Li muita coisa desprezível, completamente inútil, outras inócuas, mas estou convencido da enorme importância que a literatura teve e tem na minha existência. O escritores contribuíram decisivamente para moldar a minha atitude perante a vida, ajudaram-me sempre a suportar o pior e a apreciar o melhor, nos seus escritos encontro "outros mundos" que me curam e assossegam , aprendi que o mal e o bem absoluto não existe, que existimos para além dos umbigos.
A dialéctica presente entre o livro e o leitor é talvez a relação mais profunda que um ser humano estabelece entre o universo dos inconscientes, do seu e do escritor, suscita muitas vezes o que nem sequer supúnhamos existir ou escondemos, sem a possibilidade de censura e de repressão.
Essa relação configura o estado de liberdade total e de comunhão total com o semelhante, a sua vivência é insubstituível e nuclear na vida de qualquer ser humano.
jotacmarques
Isso mesmo,inconsciente, subconsciente, onírico...universos aonde nos apetece morar. Uns vão pela palavra, outros pela côr, pela música. Vá-se lá saber por quê. Mas creio que qualquer que seja o caminho , o que interessa é atingir a tal plenitude presente na alma humana.Liberdade e comunhão total, como aqui está. Se algum responsável em educação ler isto , pode ser que lhe venha à cabeça arrepiar caminho, fazer como os meus professores que me ensinaram poesia em vez de relatórios.
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