sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Se eu fosse mosca...

Se eu fosse mosca gostaria de voar pelo palácio de S. Bento em dias de conselho de ministros. Voaria rápida e irritante, pousando em ministros e secretários de estado, atraída provávelmente pelo cheiro das palavras, ou quem sabe, pelo suor excretado dos pensamentos e das propostas que povoam essas grandes cabeças que nos governam.

Cansada, aterraria em qualquer sítio onde pudesse ouvir com clareza o que viria, a coberto de mãos e jornais que incansáveis procuravam excluir-me do mundo dos vivos. Há muito que a curiosidade me espicaçava para assistir a uma destas sessões, certa que estava de aqui se passavam coisas importantes. 

O conselho ia começar, estando presentes à volta de duas dezenas de figurões. O 1º ministro aclarou a voz , mavioso e cordial deu as boas vindas e esclareceu a ordem de trabalhos, tratava-se de preparar a agenda da próxima avaliação da "troika". O das finanças arengou sobre os excelentes resultados alcançados, é certo que o desemprego tinha aumentado mais do que se estimara, que as receitas dos impostos recuaram por via da quebra do consumo interno, que a comparação homóloga dos índices económicos também acusava  recuos e que o  investimento era cada vez mais baixo. Acrescentou no entanto, que as exportações apesar das oscilações lá se iam aguentando, e grandes notícias, as taxas de juro para empréstimos a Portugal nos mercados financeiros internacionais tinham descido ligeiramente. Estávamos no bom caminho portanto, em breve, se fossemos cumpridores e não nos afastássemos uma linha do compromisso com a "troika", viria o paraíso para esta terra abençoada.

O ministro da economia seguiu-se, que não podia correr melhor, o acordo com os patrões e o cagalhésimo da representação dos trabalhadores produzira a desejada desvalorização do trabalho, mais, à parte mais uns milhares no desemprego, inevitável e marginal, já se vê, assistia-se a uma limpeza por via das falências das empresas pequenas e obsoletas, que mais não faziam que poluir o universo da actividade empresarial dos grandes grupos. Uma enorme benfeitoria o que se estava a passar, finalizou.

A agricultura, através dos secretários de estado, o ministro estava de férias no estrangeiro, exultou com o excelente trabalho produzido, que entretanto era só promessas, mas que qualquer dia, não se sabia exactamente quando, se concretizariam. A boa notícia era que as importações de bens alimentares tinha descido, com a perda de poder de compra  as pessoas tinham comido menos. Era óptimo para a redução do "déficit" da balança comercial e para o "fitting".

O ministério dos negócios estrangeiros também proclamou grandes êxitos na política da pedincha de chapéu na mão  levada a cabo na Ásia e noutras zonas do globo. Também neste caso o ministro não estava, andava há meses em viagens pelo estrangeiro, ninguém o via coitado, o que ele trabalhava, sempre de copo na mão naquelas recepções frívolas e chatas, um calvário.

Reincidiu o das finanças, estava eufórico com as recentes notícias emitidas pela Bloomberg , Portugal era um grande exemplo a seguir pelos países resgatados, disciplinado e leonino o governa tinha excedido as expectativa  no que respeita a medidas austeras, assim é que era, em breve, com algumas reservas, com este comportamento, estaríamos em  condições para voltar aos mercados financeiros. Mais, a economia voltaria ao crescimento, anémico infelizmente, todavia  um grande feito. Geralmente, tudo o que bate com força no fundo volta para cima,  o ponto de partida para o almejado crescimento estava ao nível de há 30 ou 40 anos atrás, o recuo tinha sido enorme, cogitava eu com os meus botões.
Também me parecia tal qual como diz o ditado, "quando a esmola é grande, o pobre desconfia", que esta coisa de voltar aos mercados financeiros era uma manobra para nos emprestarem mais dinheiro e ganharem com os juros exorbitantes

Eu, feito mosca, estava perplexo. Então tudo piorava e esta gente continuava convencida da inevitabilidade do cada vez pior, para no futuro ficarmos bem? Alto, isto não é normal, ou eles não conheciam o país ou deliravam. Teimosos como os burros, continuavam a pressionar a tecla da austeridade apesar do panorama se degradar.

Escapei-me antes da reunião acabar, é que aquele ambiente não era bom para a cabeça. Fugi, porque receei que a insanidade mental fosse contagiosa, eu sei lá , ouve-se tanta coisa a propósito de doenças. Foi melhor assim, deixá-los lá sózinhos naqueles jogos florais de nós e os nossos umbigos, porque eu que ando por muito lado, por onde andam as pessoas nos seus quotidianos,  só oiço queixas, que isto está uma desgraça, que  cada vez tá pior. Não entendia o que se passa com aquela gente, é um mundo irreal, parecia que estavam a falar "pró boneco", a gente ajaezada com tantos sacrifícios, nunca chegam, cada vez mais, a ver que os putos fazem os cursos e piram-se para o estrangeiro, porque cá de empregos népia, os velhos com pensões miseráveis e tudo aumentar, enfim um rosário de coisas más de que vocês também são vítimas, e aqueles gajos a acharem que tudo vai bem.Porra!.............Porra!..............

Cá fora fiquei para os ver sair!

Ele era sorrisos, cumprimentos e abraços, satisfeitos consigo mesmos pelo desempenho do dever cumprido. Amanhã  tinham óptimas notícias para a "troika", claro que eles iam exigir mais medidas austeras, mas isso era o menos, o povo estava resignado e submisso. Entravam para os carrões pretos com motorista, topos de gama de dezenas de milhares de euros, compenetrados e graves, como se fossem donos do mundo.

Disse para mim que para assistir a estas coisas não queria ser mais mosca, talvez melga ou abelha , sempre podia ferroá-los, que é o que eles merecem.

Talvez, pensando melhor, não seja má ideia ser uma ave de rapina como eles, só que agora era para cravar-lhes as garras nos lombos, voar até ao Atlântico e já fora das águas territoriais, deixá-los cair, em terra óbviamente, numa ilha, não os queria afogar, apenas livrar-me deles para sempre.

Porque não num paraíso fiscal, talvez nas ilhas Caimão?.......

jotacmarques

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