Há dias fui ao CCB assistir a uma conferência sobre "A última aula de Vitorino Nemésio",dada ,salvo o erro,em 1971.Cheguei atrasado mas,ainda assisti a metade de uma das intervenções,integralmente a outra e à leitura ,por um "diseur",da dita aula.As duas intervenções estiveram a cargo de dois académicos, na mesa mais duas eminências e,está claro,o inefável Mega Ferreira a presidir.Sala à cunha.
Ia ouvindo,ora enfastiado ora mais interessado,e ao mesmo tempo ia deixando que a cabeça se enchesse de impressões do que via e ouvia,tal e qual uma maré na enchente,com a água a inundar caoticamente a praia.
Só me lembrava do Nemésio que me entrava em casa há muitos anos via televisão,nas conversas do "Se bem me lembro".Não o reconheci no que se ia dizendo,não identifiquei a figura que fazia as pessoas apressarem-se ou olhar as horas para não perderem aquela meia hora de conversa, de gestos e esgares,que conciliava o intelectual com o seu povo.Vitorino Nemésio tornara-se popular,identificara-se com o homem/mulher comum,falava de coisas e de maneira que interessava a qualquer pessoa.Agostinho da Silva e José António Saraiva,cada um à sua maneira,também conseguiram a mesma coisa,mais distante,mas ainda assim,Eduardo Lourenço também,só para citar alguns.Estabeleceu-se nestes casos uma simbiose natural,que deverá ser eternamente mantida,relembrada,dinamicamente alimentada.Vitorino Nemésio foi um eminente académico,um intelectual brilhante,mas foi uma figura popular e querida do cidadão comum, precisamente através da expressão do seu universo intelectual.Pode ser homenageado como académico,mas também,e sobretudo, tem que ser cultivado como figura popular.Nemésio ainda povoa o imaginário das gerações de meia idade,mas duvido que os mais novos saibam quem ele foi.Não assisti ao documentário que encerrava a sessão,quero acreditar que também tratou do Nemésio popular,porque senão será imperdoável.
Não vejo os homens e as mulheres que vão construindo a memória colectiva deste povo, a serem minimamente lembrados,tratados como o património cultural que foram e são.Alguns são mesmo apagados,como se não existissem, e em sua substituição proliferam os "Famosos",quais construções artificiais e anedóticas,que vêm do nada e que nada são.
Em Portugal teríamos certamente muito a aprender com os povos que colocam os seus antepassados no presente,extraindo força anímica e lucidez dessa relação.A ausência de um projecto nacional , a falta de mobilização e astenia popular,enraízam neste esquecimento,nesta falta de consideração a que se votam aqueles que nos constroem.
Ou mudamos ou estamos lixados!Aliás,já estamos...e muito!
jotacmarques
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Gosto especialmente da força anímica e lucidez que os antepassados nos pudessem trazer de volta. Cá eu alinho ! Talvez convocando-os para um batuque à volta da fogueira de escombros incendiados no terreiro do Paço! Não falta quem a queira atear. Não se aflija, é só fumaça, mas a imagem inspirar-me-ia mais metáforas.
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