quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Grécia massacrada

A Grécia volta à ribalta da informação com as grandes manifestações e a greve geral. Mais um pacote de austeridade ameaça este povo tão massacrado.

Em rigor, a Grécia nunca saiu das bocas do mundo. A situação na Grécia é sistemáticamente  invocada como  mau exemplo, aponta-se à Grécia o anátema do não cumprimento das medidas indispensáveis á recuperação orçamental e da divida externa. Critica-se-lhe as acções violentas durante as manifestações, alude-se à preguiça endémica do país e ao desregramento financeiro dos gregos, que andaram a gastar acima das suas possibilidades.

O  nível de vida deste povo tem baixado significativamente,com o PIB a perder pontos e  o desemprego altíssimo e crescente. A Grécia,  foi o primeiro país da UE a ser intervencionado, o primeiro onde a troika começou a ensaiar a miraculosa receita da austeridade. Portugal foi o terceiro e tem sido "um bom aluno", dizem. Os resultados da política de austeridade em ambos os países são semelhantes, quer dizer, à descida generalizada dos indicadores económicos  corresponde um recuo civilizacional grave. As regras da lógica só podem concluir que, se a um modelo igual, aplicado um bem e outro mal, corresponde resultados igualmente maus, então a origem do mal está no modelo.

Sobre a Grécia, diz-se que  não se quer ser igual, nos países em apertos é vulgar a expressão - " nós não somos iguais à  Grécia " ou " não queremos ser uma nova Grécia "- indicativa de que a Grécia é um péssimo exemplo, que a todo o custo é preciso evitar. Também se ameaça despudoradamente os gregos de serem expulsos da UE, caso não cumpram as medidas impostas pelos credores. No entanto, o país  está esmagado pela austeridade ditada pelos credores e o modelo de "recuperação " é o imposto pelos credores. A sociedade grega está em destruturação acelerada, devido ao cumprimento das medidas exigidas pelos credores, a saber, o FMI , a UE e o BCE. O ciclo vicioso criado por mais dinheiro de empréstimos e mais dinheiro de juros, a pagar em prazos impossíveis, com metas orçamentais e de redução da dívida impraticáveis, é   assassino de qualquer réstea de esperança no crescimento económico.

Na prática, são os bancos  europeus mais ricos os verdadeiros financiadores dos déficits gregos, que compraram dívida soberana grega nos mercados financeiros internacionais, antes  e depois do regaste,  contribuindo para o financiamento  da Troika,  que por sua vez garante o financiamento à Grécia durante o período de intervenção.

É claro que estes países não viram obstáculos em emprestar somas astronómicas à Grécia en quanto lhe vendiam o que exportavam,  criando com frequência falsas necessidades e induzindo a população a endividamentos  e a níveis de  consumos fora das suas possibilidades reais. Falamos da Alemanha, da Holanda e da França, entre outros, e por exemplo, dos submarinos vendidos por empresas alemãs, cujo valor foi colossal e a necessidade/aplicação muito duvidosa. No entanto convinha saber quem realmente arrastou a Grécia para a situação actual. Naturalmente há que considerar o excessivo consumo e o endividamento das famílias, mas o mais gravoso foi sem dúvida a gestão ruinosa do Estado. O Estado grego foi sucessivamente governado por um leque de  partidos corroídos pela corrupção e defensores de  poderosos interesses corporativos e financeiros. A estrutura do Estado, burocrática e pesada, mostrou-se  ineficaz na cobrança de impostos e na implementação de reformas estruturais, e a burocracia  favoreceu a  enorme corrupção. A instabilidade governativa, provocada pela falta de consenso entre os partidos políticos, manifestou-se em eleições sucessivas, que resultaram em governos de coligação fracos e pouco credíveis, sem base de apoio popular consistente. Pacotes sucessivos de austeridade, greves parciais e gerais em catadupa , desordem nas ruas,  falta de solidariedade da UE,  e a enorme falta de capacidade dos governos em gerir a crise, arrastaram o país para uma situação catastrófica. De passagem, há que referir  a colossal e permanente migração de dinheiro grego para bancos estrangeiros, na ordem  dos biliões de euros,  que se sitiaram em bancos alemães e foram excluídos do financiamento à economia da Grécia.

Neste contexto, a compreensão e a ajuda de Bruxelas impunha-se, mas contrariamente, o desmerecimento, a crítica e a ameaça permanentes, estão na ordem do dia das instituições europeias. Os países intervencionados desdobram-se em declarações para se destacarem da Grécia, como se o país tivesse peste e pertencesse a um outro universo, que não a União Europeia.

A atitude da UE em relação à Grécia é prenúncio da desagregação da Europa comunitária, não se podendo falar de união quando um dos membros do clube é permanentemente alvo de  discriminação. Os países do norte da Europa , com a Alemanha no comando, constituíram-se num grupo à parte, pretendendo que os países do sul cumpram estritamente as suas exigências, que passam por metas e metodologias incomportáveis do ponto de vista social e do crescimento económico.

As declarações críticas e isolacionistas para com a Grécia são uma enorme imoralidade e quebra de solidariedade para com um parceiro da mesma união política e financeira. Devem  acabar já e radicalmente! O Governo português deve fazê-lo sem hesitações, até porque em breve vamos ser identificado com a Grécia e alvo dos mesmos desmandos, não porque este país nos tenha contagiado  uma doença, mas sim porque  estamos a ser vitimas da mesma receita ruinosa, que acabará por nos arrastar para a mesma situação.

jotacmarques



Um comentário:

  1. O governo português não quer saber nada disso.
    O que conta é a imagem - afastar-se dos indigentes e famintos , aqui e lá fora.

    Interessa-lhe mais vestir Armani e transportar-se em carro de luxo para dar bom aspecto. Mas o rei vai nú, e não vai ser a sra Merkel a ir procurar ao baú dos trapos velhos seja o que fôr para tapar as misérias de Portugal.

    ResponderExcluir