O filme Tabu está aí nas salas da Lusomundo para quem o quiser ver. É um imperativo de consciência ver esta película que fala de uma coisa comum a todos nós, a solidão.
Mais cedo ou mais tarde sentimo-la, alguns gastam-se na vida sempre agarrados por/a esse sentimento escuro e angustiante, outros rejeitam-na até ao insuportável dos lares e hospícios da velhice, os que restam também a conhecem, muito ou pouco, velhos e novos, todos sem excepção. Já se disse que no nascer e no morrer todos estamos sózinhos, solitários!
Sem dramatismos piegas, este filme é um discurso da solidão, vagueia pelo presente e pelo passado colonial de uma mulher velha e delirante, que teve um passado glorioso de beleza e magia, encontros com o amor proibido, conheceu gente e lugares exóticos, que viveu com intensidade e paixão o que lhe era oferecido.No entanto, todos os protagonistas da sua história estavam irremediavelmente tocados pela solidão. Desde o crocodilo bébé , mascote ofertada, que isolado vivia num tanque fora do seu habitat natural, passando pelo marido sempre em viagens e posto à parte por amores infieis, pelo amante apanhado num turbilhão de sentimentos contraditórios e inconciliáveis, pelo amigo que matou num reflexo involuntário de protecção ao amante, até aos amigos da casa da piscina, um pai amante de revólveres que se suicida num acto de roleta russa de uma só bala no tambor da arma e um filho com comportamentos disfuncionais de kichboxing quando se enervava,em manifestações esquizóides de partida para mundos que só ele conhecia, a solidão era transversal.
No presente, a velha senhora é acompanhada por uma vizinha que tinha uma criada negra, ambas mergulhadas no mesmo sentimento de solidão, a patroa não tem parceiro, a criada também não, uma e outra fechadas numa rotina de estereótipos de banalidades, a vida é seca e estéril. Há uma filha da velha senhora que vive no estrangeiro, que não liga nenhuma à mãe, encarando-a como uma fatalidade incómoda que suporta por imposição social, orientando de longe a criada nos cuidados a dispensar à velha.
Teresa Madruga e Laura Soveral têm desempenhos de alto nível e são muito bem acompanhadas pelo restante elenco, mas o diálogo, que redunda em monólogo, de Laura Soveral, a velha senhora, com Teresa Madruga, a vizinha, numa deriva pelo delírio e pelo real numa fantástica história de sonhos e alucinações, é notável. Será porque a solidão já nos tocou a todos, será pelos lugares e protagonistas tão familiares aos homens e mulheres da minha geração, não sei, o facto é que esta história me tocou profundamente, numa empatia quase física.
A fotografia, a cor a preto e branco e sépia, os planos desfocados, remetendo-nos para o passado confuso das memórias, funcionam muito bem.
Este filme premiado em Berlim tem algumas insuficiências de produção, desprezíveis no saldo final, devidas provávelmente ao baixo orçamento que deve ter tido.Refiro-me concretamente ao guarda roupa, que em várias ocasiões é descaradamente de agora, em cenas passadas há muitos anos na África colonial portuguesa.
Um óptimo filme, de um realizador jovem a quem ouvi dizer numa entrevista, que não percebia porque é que tinha sido premiado, quando ele próprio estava insatisfeito com o que tinha feito.Um manifesto de grande humildade, num meio em que outros por muito menos se acham gigantes.
jotacmarques
Esta obra é a prova de que o cinema e os criadores portugueses conseguem sobrepor-se a todas as crises . O que valemos é o que temos cá dentro- intuição, sensibilidade e inteligência , indispensáveis para um brilhante improviso musical.
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