terça-feira, 24 de abril de 2012

Uma história do 25 de Abril

Vou contar-vos uma história, uma história passada na manhã  do dia 25 de Abril de há 38 anos.

Um homem novo de 24 anos, manhã bem cedo, saiu apressadamente de casa , meteu-se no carro e dirigiu-se para o então Rádio Clube Português, ali para os lados do Liceu Maria Amália em Lisboa. Ia engrossar o pequeno grupo de militares que horas antes tinham feito o assalto às instalações da rádio. Esse pequeno grupo,  constituído por alguns  conhecidos e dois amigos , emitiam há horas comunicados  do Movimento das Forças Armadas, dando a conhecer à população as causas e os objectivos  do golpe militar que se desenrolava. Era vital consolidar e defender esta posição estratégica.

Mais gente ia chegando, a ponto de se atrapalharem uns aos outros. A azáfama era grande, a preocupação e o medo também. Por esta altura, o golpe ainda não estava decidido, havia movimentação de tropas hostis e  informações contraditórias.Só no final do dia se conseguiria relaxar, apreciar a vitória.

Às tantas pela manhã, chega a informação de que uma força blindada da GNR a favor do governo, se dirigia para nós,  para destruir e calar de vez  a rádio. Foi a confusão generalizada para se organizar a defesa, estávamos armados com pistolas de guerra, as walter parabellum de 9 mm, mas era muito pouco contra carros blindados. Alguns tinham metralhadoras ligeiras FBP, mas também pouco à altura da situação. Foi então que o nosso jovem protagonista se lembrou de ter visto algures uma metralhadora pesada e várias fitas de munições, que com ajuda montou num  varandim do primeiro andar.Pretendiam opor-se ao ataque. Aguardou nervosamente, nunca tinha disparado uma arma daquelas, apenas tinha uma ideia sumária do seu funcionamento. Alguma coragem e determinação impeliam-no para a tarefa, mas era sobretudo uma questão de fé e de intuição. Esperaram um par de horas a parecer anos, afinal a GNR tinha mudado de rumo, talvez outro objectivo mais urgente.

Até à noite o tempo foi de incertezas e receios, mas o nosso jovem e os seus companheiros não duvidaram da vitória, nem por um segundo se arrependeram do que faziam. Nos dias seguintes, foram alguns, manteve-se na rádio, mas agora era a festa, o desfilar de dezenas e dezenas de camaradas de visita, de conversas e jogos de cartas, de copos de uísque a molharem  debates políticos intermináveis pelas madrugadas fora.

O resto que se seguiu já toda a gente sabe. Conto-vos esta história, importante para o nosso homem, insignificante no contexto geral dos acontecimentos, porque é uma história de vida, de alguém que tinha convicções e que as manteve, mas sobretudo porque com o seu comprometimento contribuiu, por pouco que fosse, para acabar com o regime autoritário que o abafava.

A mudança é sempre possível, alterar o rumo dos acontecimentos está ao alcance, a inevitabilidade fatalista de que nos querem convencer é falsa, é um mentira colossal. Há duas maneiras de resolvermos a vida, ou controlamos os acontecimentos ou são eles que nos controlam, ou estamos de pé ou estamos de cócoras, é tão simples quanto isto.

Não sei quem me lê ou que importância possa ter o que escrevo, mas com esta história e participando nos festejos populares de amanhã na baixa de Lisboa, comemoro o 25 de Abril, não própriamente os acontecimentos do passado, mas a mensagem  contida  nos principios ideológico/programáticos do movimento, que é totalmente actual e pertinente.

Amanhã, para quem não está satisfeito pelo que estamos a passar,  há oportunidade para se manifestar, na rua é claro, colectivamente, e largar de uma vez por todas  o argumento idiota  do "que é que eu posso  fazer" e ficar a dormir até às tantas,  a cozer ressacas da noite anterior.
É que para os mais velhos, os tais do nosso tempo, digo-vos que o nosso tempo também é e sobretudo AGORA, aos mais novos pergunta-se se estão dispostos a ter um presente e um futuro de nível muito inferior ao dos pais.

jotacmarques  

Um comentário:

  1. O nosso tempo é "agora" tal como foi "agora" no dia da revolução.

    Quem já não tem "agora" é o miguel portas, e eu fico triste.

    Ainda bem que não adiaste o que tinha de ser.
    Mil vezes obrigada.

    ResponderExcluir